* Por Silvio Tadeu

Alguns artistas vão além de seus sucessos na TV, cinema e teatro para condensar em si uma verdadeira aula da história da nossa cultura nesses segmentos. Roberto Pirillo, além de ser um dos principais atores do país, participou de grandes sucessos, acompanhou transformações e continua atuante e atualizado, mantendo como poucos, uma ética e coerência exemplares em sua carreira e na vida pessoal.

Silvio Tadeu (ator, diretor, produtor cultural e jornalista) entrevistou o ator e cedeu o conteúdo para publicação no Matraca Cultural. Pirillo contou sobre sua carreira, do rótulo de galã, Regina Duarte, ditadura, participação política e outros assuntos.

Matraca Cultural: Você parece não ser um ator que se acomodou no rótulo de galã. Noto isso também pelo fato de ter permanecido em emissoras de TV por longo período, como TV Globo, Tupi, Bandeirantes, Manchete, mas sempre diversificando as suas atuações em cinema e teatro, até em papéis cômicos. Em 2018 fez musical pela primeira vez, “A Noviça Rebelde“. Foi um caminho natural na sua carreira esse processo de não ser eternamente um galã ou você chegou a recusar papéis ?

Roberto Pirillo: Galã quer dizer homem belo, elegante, que galanteia e namora muito. Passei mais de uma década vivendo personagens desse gênero. Chega uma hora que você diz: Pôxa, quero fazer outros tipos! Um mau caráter, um bandido etc. A gente vai amadurecendo, e as oportunidades vão aparecendo. Isso não quer dizer que não possa viver um galã mais maduro com meus 72 anos. Nós atores, ao longo de nossas vidas, vamos treinando nossas almas para viver outras almas. Adoro o gênero comédia. Permaneci na peça “Trair e coçar é só começar” por treze anos e foi ótimo. Quanto à “Noviça Rebelde”, a experiência foi gratificante. Um elenco grandioso, num mega palco, com uma orquestra brilhante.

MM: Também participou de grandes marcos na dramaturgia e na TV  brasileira . “Escrava Isaura“, em 1.976,  na TV Globo e do espetáculo “Trair e coçar é só começar“, em 1.989, no teatro. Dois enormes sucessos que prosseguiram em novas versões e elenco. Você é a favor de remake de obras consagradas?

RP: “Escrava Isaura” foi um grande marco da TV brasileira. Abriu o mercado internacional da rede globo. É uma obra livre. Qualquer emissora pode adaptar a história da maneira que achar conveniente. “Trair e coçar…” foi outro grande feito. Permanecemos durante três anos consecutivos no “Guinness Book” como temporada ininterrupta. Acredito que ainda está por aí.

MM: Em 1.965 quando você estava iniciando a sua carreira foi decretado Ato Institucional 5, deixando o país na ditadura. Quando você vê um movimento popular pedindo a volta do AI-5, o que você, como artista tem a dizer sobre isso? 

RP: No início dos anos 70, estávamos ensaiando a peça “O quarteto”, de Antonio Bivar. Perto da estreia, a censura interditou o espetáculo. Queriam que fossem feitos alguns cortes. No elenco estavam Ziembinski, a cantora Marlene, Louise Cardoso e eu. Fizemos uma apresentação para dois ou três censores sentados na plateia, que seguiam com texto na mão para se certificarem que os cortes estavam sendo obedecidos. Foi muito humilhante. O AI-5 foi um período conturbado na nossa cultura com uma censura severa, e sem precedentes. Hoje não há mais espaço para isso. Lutamos sempre por uma democracia plena.

MM: Você participou da primeira montagem do texto “Dois perdidos numa noite suja“, de Plínio Marcos. Qual foi o impacto que o texto causou no público?

RP: Considerado um autor maldito, o escritor e dramaturgo Plínio Marcos, foi um dos primeiros a retratar a vida dos submundos da cidade de São Paulo. Poucos escreveram sobre homossexualidade, marginalidade, prostituição e violência com tanta autenticidade. Alguns aplaudiam, enquanto outros saiam do teatro chocados.

MM: Amácio Mazzaropi é considerado um gênio do cinema brasileiro. Você trabalhou em produções contracenando com ele. Como foi essa experiência?

RP: Sabe quando você está contracenando com alguém que sempre foi um grande ídolo? Foi assim que eu me senti. Estava diante daquele grande ícone do cinema, me deliciando com seu “Jeca”! Aprendi muito.

MM: Você acha que hoje Mazzaropi tem hoje destaque merecido na história do cinema brasileiro?

RP: Mazzaropi é eterno, como Chaplin, como O Gordo e o Magro, Jerry Lewis, e tantos outros.

MM: Chegamos a sua fase telenovela. Você iniciou em uma novela de Gloria Magadan, autora cubana pioneira na linguagem aqui no Brasil. Como foi sua adaptação como ator, ao ritmo de telenovela. Gravações, construção de personagens, novos colegas,  liberdade de criação etc.

RP: Sou autodidata. Agradeço sempre por ter tido grandes mestres como Ziembinski, Dercy Gonçalves, Mazzaropi, o saudoso Sergio Brito que dirigiu a novela e muitos outros.

MM: Em 1971 você estreou na Rede Globo na novela “Minha Doce Namorada“, trabalho que batizou Regina Duarte como a “A namoradinha do Brasil“. Até o dia 20 de maio, ela ocupava o cargo na secretaria especial de Cultura.  Você acha que a namoradinha se tornou a traidora da pátria ao apoiar um governo tão polêmico?

RP: Não vou fazer considerações sobre ela ter aceitado o convite para a Secretaria. Eu particularmente não teria aceitado. É como entrar num caldeirão fervendo, nesse momento tão crítico do país.

MM: Com sua longa experiência de vida e carreira, você acha que vida artística e política caminham bem?  Pergunto por que você teve uma outra grande colega de profissão, Lucélia Santos, que muitos atribuem seu afastamento da TV por ter percorrido um caminho político e militante.

RP: Se hoje alguém se pergunta: Porque a situação política está tão caótica, atrapalhada e desorientada, certamente, não é culpa da população. Essa sabe muito bem quais são suas necessidades prementes e urgentes. Mas sabe também que não é escutada. Conseguiram cortar a garganta da população. Cidadania, hoje, mais que nunca, implica em participação. Para participar é necessário um mínimo de consciência e de conhecimento do que está acontecendo. Temos uma marca muito forte de alienação com relação a realidade política, à organização e funcionamento da sociedade. As pessoas preferem distância dessa realidade e não envolvimento, comprometimento e participação. Quanto à colega Lucélia Santos, respeito sua escolha e posição. Afinal vivemos numa democracia, ou não?

MM: Participou de novelas essencialmente românticas como “Uma rosa com amor“,  “O primeiro amor” e a já citada “Minha doce namorada“. Como você vê o romantismo das novelas atuais?

RP: Os tempos são outros. Muitas coisas sofreram transformações. Estávamos na era do Woodstock.  De lá para cá começamos a ver as coisas com outros olhos. Mas o romantismo sempre estará presente. É a essência da vida. O romantismo daquela época trazia uma dose de inocência, de pureza.

MM: Você largaria a TV para se dedicar exclusivamente ao teatro ou ao cinema?

RP: É preciso que as outras atividades se fortaleçam, para que possamos nos dedicar.

MM: Seu perfil sempre foi do ator talhado para o galã e do herói. Já interpretou um vilão? Se sim, como foi a reação do público?

RP: Sim, na novela “Celebridade”. O meu personagem surpreendeu o público se revelando um mau caráter.

MM: Como você vê a valorização da atividade artística depois da pandemia?

RP: Nossa atividade requer aglomeração como no teatro. Nas novelas será preciso algo muito bem planejado de acordo com as circunstâncias. Infelizmente, acredito, será uma das últimas atividades a voltar à normalidade.

MM: Quais são seus projetos futuros?

RP: Viver com saúde e trabalho.

MM: Uma mensagem de otimismo aos leitores nessa quarentena.

RP: Estamos vivendo um processo de mudanças em nossas vidas. Esse recolhimento veio com a finalidade de melhorar nosso mundo. O sol, o mar, o céu, as montanhas, os rios, os animais tudo está mais bonito, nada foi afetado. Nós humanos fomos afetados, para aprendermos que somos todos iguais, nessa hora não existe riqueza, arrogância ou superioridade. Existe um ser maior, Deus, divino, bondoso e piedoso, que criou esse mundo maravilhoso e nos deu a vida dizendo: Amai-vos uns aos outros como eu vos amei.

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