Foto: Jennifer Oliveira

Quem anda pelas movimentadas ruas de São Paulo encontra de tudo: vendedores ambulantes, hippies, artistas de rua… Mas, já imaginou encontrar uma “caçadora de mulheres sonhadoras”? Isso mesmo! É assim que podemos definir a multiartista, pesquisadora e educadora Isabela Mota que, em março de 2022, durante 12 meses resolveu sair pelas regiões central e periférica da capital paulista, segurando uma placa, cujos dizeres apresentavam uma proposta inusitada: “Procuro Mulheres que Sonham Futuros”. 

O objetivo de Isabela era registrar os sonhos e atividades feitas, pela primeira vez, por sonhadoras com mais de 30 anos, afinal, não existe idade para sonhar e experimentar. Ao sair com um gravador em mãos, a artista reuniu depoimentos surpreendentes e encantadores, envolvendo histórias de mulheres que jogaram bola, foram morar em barcos, começaram a viver sozinhas, dançaram, voaram de balão, saíram do país, fizeram sua primeira festa de aniversário, entre muitas outras experiências. “O mais interessante em todas as narrações coletadas é o fato de nenhuma dessas atividades estar relacionada a uma obrigação pessoal ou profissional. Trata-se de sonhadoras que vivenciaram algo diferente, simplesmente, pela curiosidade, sem qualquer motivação do nosso papel social ou cotidiano”, afirma. 

A busca por sonhadoras dispostas a vivenciar algo diferente para agradar a elas mesmas, inclusive, foi o motivo para que Isabela começasse a desenvolver esse projeto, intitulado Travessias: Procuro Mulheres que Sonham Futuros. Ele consistiu na criação de um podcast com os depoimentos coletados e, em seguida, na criação do livro infantil Travessias, reunindo as histórias contadas, o qual será lançado muito em breve. Em julho de 2018, prestes a completar 30 anos, a artista se achava sem referências, pois não encontrava mulheres parecidas com o que ela estava se tornando. “Inclusive, eu comecei a me considerar infantil por ainda não ter filhos e uma casa própria, mesmo construindo uma boa carreira. A partir de então, eu percebi que a maioria das mulheres cuidam dos outros, trabalham muito, mas quase não têm espaço para a realização de seus desejos pessoais”, afirma.

No entanto, ciente da existência de mulheres que, mesmo em meio às dificuldades, buscam realizar seus próprios sonhos, Isabela decidiu escrever um livro com as histórias dessas sonhadoras e conseguiu, em um edital de Fomento a Projetos Artísticos de Multilinguagem para Cidade de São Paulo da Secretaria Municipal de Cultura, a oportunidade perfeita para concretizar seu projeto, dando voz a um público feminino diverso, com narrativas ricas e diferenciadas. 

Os pontos da cidade percorridos pela educadora foram vários, incluindo áreas centrais como Praça da Sé e Praça da República e outras regiões como o bairro de São Miguel, onde Isabela cresceu, de Itaquera, o distrito de Guaianazes, entre outros locais. Além de coletar sonhos pelas ruas, Isabela também adentrou estações de trem, bibliotecas municipais e espaços culturais, em busca das sonhadoras. Assim, o pedido da artista acabou atraindo muitas mulheres e gerando reações diversas: “Na maioria das vezes em que saí com a placa, eu quase não precisei abordar ninguém, pois a maioria já vinha falar comigo. Escrevi o projeto durante a pandemia e, ao sair pelas ruas, não imaginava sua repercussão. Algumas ficavam indignadas com a proposta, achando ser uma busca besta, outras já se animavam em dar seu depoimento com a certeza de sonhar futuros e outras ainda queriam entender melhor o meu objetivo. Mas, o mais interessante, é que a placa despertou a curiosidade de muitas mulheres”. 

Isabela conta ter ouvido narrativas incríveis vivenciadas por elas, como a primeira festa de aniversário aos 35 anos, a primeira viagem de balão aos 40, o sonho de realizar o primeiro book fotográfico aos 60 e um início de namoro aos 74. “Eu gosto muito de ouvir sobre aquilo que foge da regra, revelando-se uma expectativa autêntica, um sonho construído pelo desejo e não pelas obrigações de trabalho ou expectativa de cuidado”, completa. 

Para a produção do podcast, a artista uniu as histórias coletadas com opiniões de comentaristas, pesquisadoras e de outras participantes que tenham vivido algo de maneira aprofundada como, por exemplo, a abordagem de uma professora de futebol sobre os motivos de as mulheres jogarem menos bola do que os homens. “Trata-se de pessoas convidadas para falar com propriedade, junto às experiências femininas. Afinal, eu quis desenvolver um trabalho poético, com o intuito de chegar aos nossos ouvidos de maneira sensível.” 

Com um total de 20 episódios, o podcast estreou em julho de 2022 e foi produzido em 7 meses, gerando boa repercussão desde a sua estreia. Inclusive, o primeiro episódio intitulado Dá para sonhar sem ser alienada? éum convite para sonharmos, sem sermos alienadas. Trata-se de uma reflexão a respeito do papel feminino nos dias de hoje, afinal a expectativa de vida do brasileiro aumentou muito, mas, por outro lado, essas mulheres de 50, 60, 70 anos estão sonhando? “Por isso, propomos um olhar para o lugar político do que é poder ou não sonhar, com recorte social, racial e de maternidade. E, ao mesmo tempo, explicamos a necessidade do sonho, da utopia, como algo poético e transformador do nosso imaginário e isso também é político.”  

Concluído o podcast, as histórias das sonhadoras se transformaram em um livro chamado Travessias, no qual uma heroína, uma princesinha de 74 anos, ganha ingressos para ver a final da Copa do Mundo. Sem saber muito bem como chegar ao estádio, ela faz uma viagem que exige dela viver muitas coisas pela primeira vez. Nessa travessia, ela encontra mulheres incríveis dispostas a ajudá-la em sua missão de realizar o próprio desejo de infância. 

Em formato de livro-objeto, a obra é uma espécie de passaporte ou diário de viagem com ilustrações em massinha que imitam fotos dessas personagens. “O público-alvo são crianças de sete a doze anos, mas se acredita que muitas mulheres adultas poderão se encantar com ele e se sentirem representadas”, conclui Isabela. O lançamento está previsto para acontecer em março, em São Paulo. Para acompanhar o podcast, clique aqui

Sobre Isabela Mota: Isabela Cristina Coelho Amano da Mota nasceu em São Miguel Paulista, Zona Leste de São Paulo. É multiartista, pesquisadora e educadora. Transita entre as artes visuais, cênicas e literárias. Acredita no caminho conjunto da teoria e prática artística. Formada em Letras pela Universidade de São Paulo e Pós-Graduada em Direção Teatral. É mestra em Artes da Cena com ênfase em educação pela Faculdade Célia Helena.   É co-fundadora e artista na Coletiva Maria Sem Vergonha. Seus trabalhos mais recentes são a exposição virtual “Dramaturgias do Brincar” no Sesc Digital (2021) e o livro objeto “Doradillos” com publicação independente (2020).

About The Author

Mariana Mascarenhas

Jornalista e Mestra em Ciências Humanas. Amante das artes em suas mais variadas formas: cinema, música, exposição, literatura…. Teatro então? Nem se fala! Busca estar sempre antenada com a programação teatral para conferir aquela peça que está dando o que falar: seja para divertir, emocionar ou refletir. Só conferir os textos e ficar de olho no que tá rolando por aí.

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