Atriz deixa a secretaria especial de Cultura e artistas comentam a atuação dela à frente da pasta

A atriz Regina Duarte deixou hoje (20) o cargo de secretária especial da Cultura, do Governo Federal. O presidente Jair Bolsonaro afirmou nas redes sociais, que a mudança se deu porque “ela sentia falta da família” e a remanejou para Cinemateca de São Paulo. Ela afirmou que considera a alteração um “presente”, porém, deixa a pasta após uma administração sem ter apresentado qualquer iniciativa para ajudar os artistas durante a pandemia, mudança de nomes para a pasta sem sua consulta, depoimentos desastrosos e sem apoio da classe artística.

“Li na semana passada a entrevista de Daniel Filho, ex-marido e diretor de Regina Duarte em diversos trabalhos de expressão na história da TV Brasileira, sobre os posicionamentos dela à frente da Secretaria de Cultura na política e na gestão da pasta. Segundo o jornalista, a frase que Daniel mais usava era:  ‘Eu não acredito’. Eu também não! Não acredito que a ‘namoradinha do Brasil’ se tornou a traidora da Pátria. Poucos sabem, mas optei pelo Teatro por causa de Regina Duarte. Eu tinha uns 6 ou 7 anos e assisti, pela TV Cultura, ‘O Santo Inquérito’, de Dias Gomes, no qual ela personificava Branca Dias, heroína queimada pela fogueira da Inquisição. Quando vi em cena aquela força toda o teatro nunca mais saiu de dentro de mim. Mas hoje me sinto como Daniel Filho e como a maior parte da população: traído pela namoradinha do Brasil”, lamenta Silvio Tadeu, ator, diretor, produtor cultural e jornalista.

Regina Duarte não ficou dois meses completos à frente da pasta. Ela assumiu o cargo dizendo que seu grande desafio era pacificar o setor, com um discurso de que colocaria a cultura “acima das ideologias”, quando, na verdade, o objetivo era impor os ideais conservadores do atual governo que não valoriza a arte. “Ela é a cara desse governo decadente, violento e autoritário. Carrega o gene da intolerância que é parte integrante da cúpula do Governo Federal. Não representou a classe artística. Não representou as mulheres. Não representou os seres humanos. Ela é má!”, afirma o ator, diretor e produtor cultural Luiz Fernando Almeida. “Para ela, tudo que não é branco, cristão, conservador e heterossexual é minoria. Ela vive no mundo fantasioso de suas Helenas e já demonstrou não entender nada de cultura. Ela enxerga a arte como uma forma de manipular a opinião pública apoiando esse projeto de ‘higienização da arte’”, completa.

Embora seja atriz há muitos anos, ela tem pouca experiência em produção e de administração pública, conhecimentos essenciais para a gestão de uma pasta tão importante, quanto a cultura. “Eu acredito que ela tenha aceitado o cargo na melhor das intenções, mas ela foi muito ‘inocente’ em relação ao que é o poder público. Para ocupar um cargo como esse, é necessário entender a estrutura do governo. Ela sequer tem conhecimento de produção de espetáculos, e cultura não se faz apenas no palco, tem muita coisa por traz. Ela precisava ter tido a compreensão de que, ali, ela era secretária, não atriz e devia respostas para o setor. Não dá para usar o cenário de pandemia como justificativa para suas ações visando o setor, que tiveram foco exclusivo nas leis de incentivo, que não contemplam todo o setor. Isso é ter uma certa ignorância com relação ao próprio setor”, comenta Gabrielle Araújo, atriz e produtora cultural.

Logo no início da sua gestão, ela afirmou que, se fosse necessário, “passaria o chapéu” para ter mais recursos, em referência à prática de muitos artistas que não têm qualquer apoio e se apresentam em espaços públicos para ter renda, e a fala causou desconforto entre a classe artística. “Eu, como bailarina, sinto falta do olhar do governo para a classe e me pergunto o que eles têm feito pela cultura em meio a esse caos. Regina Duarte assumiu a secretaria especial de Cultura e, em seu discurso, prometeu pacificar e promover diálogo entre a classe artística e o governo e, infelizmente,  isso não aconteceu. Ela insistiu em dizer que faria arte com pouco e que se fosse preciso passaria o ‘famoso chapéu’. Sou artista e pobre da baixada fluminense e sempre fiz arte com pouco, chegando a ensaiar em praças públicas por falta de espaço e acolhimento da minha arte. Passar o chapéu foi a forma que muitos encontraram para sobreviver e não fiquei feliz em ouvir que a solução para a nossa cultura e arte seria essa. Não precisamos apenas sobreviver. O artista precisa de apoio e o mínimo de dignidade possível”, afirma a bailarina Juliana Bezerra.

O cantor Boivi completa: “A arte no Brasil é colocada como passatempo. A profissão não é incentivada, mas nas festividades e celebrações, a maior parte das pessoas escutam músicas sem nem pagar o ECAD! A falta de incentivo da cultura no nosso país faz tornar esse fato uma cadeia que beneficia a corrupção, já que a falta do incentivo, distância a reflexão e questionamentos da população, e a arte desperta esse lado nas pessoas. A Regina Duarte assinou embaixo toda a agressão que os artistas sofreram na época da ditadura militar! A postura dessa senhora a distancia de todo o propósito e militância artística”.

Declarações para a CNN

Um dos episódios mais lamentáveis de sua rápida passagem pela secretaria especial de Cultura, foi a entrevista concedida à emissora CNN. Regina Duarte deu barraco ao vivo, minimizou as mortes e tortura ocorrida durante o período do regime militar e, inclusive, riu ao falar sobre o assunto. “Por que olhar pra trás? Não vive quem fica arrastando cordéis de caixões”, afirmou.

“Imediatamente depois da entrevista que ela concedeu para a CNN, vi muito gente nas redes sociais a chamando louca, doida e esquizofrênica, mas não é isso. As doenças de ordem mental são legítimas e devem ser levadas a sério, até porque muitas delas surgem a partir da pressão, da falta de perspectiva e da confusão que um comentário genocida, fascista e maldoso, como o da ex-secretária, promove nas nossas cabeças. Regina Duarte não é louca. É perversa, egoísta, cínica, intransigente, oportunista e covarde”, comenta o dramaturgo Adalberto Neto, autor do espetáculo “Oboró: masculinidades negras”, vencedor do prêmio Shell.

A atriz Alice Carvalho considerou o episódio como desesperador: “É um sentimento de muita vergonha ter tido a Regina Duarte como representante, isso entre várias aspas, da categoria a qual eu pertenço, porque ela de fato não me representou. Mais que deselegância, foi uma total quebra de decoro. No momento de confronto, pudemos ver o quanto ela era despreparada e de uma pedância ímpar, tendo se portado com estrelismo caricato. Talvez o papel de secretária especial da Cultura tenha sido o pior personagem que ela representou até agora. Era claro que ela estava no cargo como um enfeite, para dizer que havia alguém conhecido à frente da pasta”, ressalta.

O ator Tadeu Menezes, enfatizou que um dos objetivos da arte tornar um mundo melhor e fazer as pessoas refletirem e pensarem. “Foi muito estranho a atriz Regina Duarte, tomar o posicionamento de aceitar fazer parte deste governo e conceder uma entrevista dizendo as mesmas coisas que o Jair Bolsonaro dizia. São atitudes contra qualquer evolução do ser humano. Acho lamentável uma atriz com anos de carreira se portar da forma que ela se portou.  Acredito que, com essa atitude, enterrou de vez a sua carreira como artista”, lamenta.

Ausência de propostas para o setor

Um consenso entre profissionais da cultura, é a falta de propostas para o enfrentamento da crise causada pela pandemia do novo coronavírus. Faltou elaboração de editais, oportunização de emprego, fonte de renda e a modernização da pasta, no sentido de dar suporte aos artistas para apresentações remotas. A redação do Matraca Cultural entrou em contato com a secretaria especial de Cultura na última semana, enquanto Regina Duarte ainda estava à frente da pasta, para saber das ações em benefício do setor e sobre a exclusão dos artistas da ampliação do auxílio emergencial, mas não obteve resposta.

“Toda e qualquer ação/não ação deste desgoverno já era esperada. Infelizmente só consigo enxergar o desmonte ou as tentativas mais absurdas para que isso aconteça pelos próximos anos. Muitos passos para trás serão dados, infelizmente, porque esse é o propósito: construir um país sem cultura ou educação. Um país que seja incapaz de raciocinar e, consequentemente, discutir e lutar por direitos”, afirma Atila Bee, cantor, ator e diretor teatral. 

O dramaturgo Adalberto Neto ainda não vê muita clareza quanto ao futuro, mas acredita que a pandemia vai promover transformação nas atitudes, nas relações e nos meios de produção. “Tudo vai se reconfigurar, até o capitalismo, e a arte não vai ficar de fora. Mas eu sou otimista e acredito que o novo tempo vai ser bom, apesar desse momento de transição que tem sido bastante difícil. Acho que a proposta de coletivos vai ser um caminho e que haverá mais espaço para pautas de interesse público e não mais apenas para satisfazer egos”.

“Ela entrou na política como uma aventureira e acabou se afogando, pois não fez absolutamente nada e serviu de marionete morta. Ocupou uma cadeira e recebeu o seu dinheiro (claro que precisou sair do nosso). O que deu a entender é que a Regina, teve o seu pagamento garantido e não deu a mínima para o setor. A cultura neste momento está pedindo socorro, pois estamos sem trabalho e tanto o presidente quanto a ex-secretária, não fizeram nada, além de prejudicar e atrapalhar quem tenta fazer alguma coisa. Estamos com inúmeras PL’s com um olhar para a cultura e essas estão sendo vetadas ou reprovadas”, ressalta Renato Alves, ator, diretor e produtor cultural.

“A piada está pronta, mais uma vez, no Brasil: vamos pegar nossa pipoca e Tubaína para ver ‘Encaixotando Helena’. Regina, de tanto se esconder, foi consolada com uma recolocação. E agora, José?”, comenta Victor Narezi, artista de teatro, arte educador e escritor de literatura infantil. 

Sobre a expectativa de nomeação que alguém que, de fato, represente o setor, ele afirmou: “Pois é, nós artistas não temos nenhuma expectativa quanto a um bom nome para essa pasta. Visto que, diante dos posicionamentos e ações governamentais, dificilmente um nome comprometido com uma política pública voltada a escutar e atender as necessidades da classe trabalhadora artística será nomeado. Mais do que valorização, é necessário reconhecer o artista como trabalhador. E nesta posição, emergencialmente, precisa de uma renda mínima. Estamos à deriva! Não é só mais a panela que deve ser batida, é preciso de mais enfrentamento legal”, finaliza

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