A atriz Carola Valente (à direita) deu uma entrevista para o Matraca Cultural sobre as dificuldades enfrentadas na pandemia

Em 2020, as cortinas dos palcos se fecharam por tempo indeterminado e, infelizmente, muitas seguem assim até hoje, devido à pandemia da COVID-19, que afetou diversos setores da sociedade, especialmente o cultural. Para amenizar um pouco a situação, foi criada a Lei Aldir Blanc – em homenagem ao grande compositor carioca que faleceu em maio deste ano, vítima do novo coronavírus – com o intuito de fornecer uma renda mensal básica aos profissionais do setor cultural e dar apoio aos espaços culturais durante o estado de emergência. 

A Lei foi sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro em agosto deste ano, após uma grande pressão da classe artística, já que o então projeto de lei havia sido aprovado pelo Senado em junho deste ano.

No Estado de São Paulo, a Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Estado destinará R$ 256 milhões dos recursos da Lei para os 4 mil dos 5 mil projetos culturais inscritos no ProAC Lab, além de R$ 21 milhões que começaram a ser distribuídos para sete mil artistas do setor cultural, desde  25 de novembro. 

“O setor cultural e criativo é um dos mais importantes do Estado de São Paulo e responde por 3,9% do PIB estadual, gerando cerca de 79 bilhões de reais por ano. Nesse setor, temos cerca de 1,5 milhão de postos de trabalho”, afirma Sérgio Sá, Secretário de Cultura e Economia Criativa do Estado de São Paulo. Ele também reforça como tal setor foi o mais afetado pela crise, gerada em razão da pandemia do novo coronavírus, estimando um prejuízo financeiro de, aproximadamente, 34,5 bilhões de reais, o equivalente a 1,7% do PIB estadual.

De acordo com o Secretário, as atividades culturais ficaram totalmente paralisadas por sete meses, acarretando em menor renda, desemprego, desenvolvimento e oferta cultural, com todos os benefícios trazidos pela cultura aos indivíduos. “O Estado de São Paulo vem fazendo um grande investimento em medidas anticíclicas para mitigar o impacto da crise sobre o setor cultural e criativo. Lançamos o ProAC Editais, ProAC ICMS, Programa Juntos pela Cultura, linhas de crédito no Banco do Povo e na Desenvolve SP e também estamos trabalhando para implementar, de modo célere, rigoroso e inclusivo, a Lei Aldir Blanc em nosso Estado para que alcance o maior número possível de profissionais e instituições da cultura”, completa. 

Sérgio Sá ressalta que os pagamentos do inciso 1º da Lei Aldir Blanc, referentes à renda básica a ser fornecida aos profissionais do setor cultural que tiveram suas atividades interrompidas, começaram a ser efetuados. Os benefícios somam três mil reais para cada beneficiado e seis mil reais no caso de mulheres de famílias monoparentais. “Nós também abrimos um cadastro por meio da plataforma Dados Culturais SP, que teve 14 mil inscrições. Tivemos o cuidado de cotejar essas inscrições com outros cadastros para que tenhamos o máximo de rigor na destinação desses recursos. E, a partir de agora,  os pagamentos serão feitos por meio do Banco do Brasil”. 

Em breve, a pasta da cultura também iniciará os pagamentos dos projetos e dos proponentes beneficiados pelo ProAC Lab que corresponde ao inciso 3º da Lei Aldir Blanc. “No total teremos, em âmbito estadual, cerca de 264 milhões de reais destinados ao setor cultural e criativo do Estado, além de 177, 2 milhões de reais que estamos destinando de recursos próprios do Estado via ProAC ICMS, ProAC Editais e Juntos pela Cultura. Vamos juntos enfrentar e superar esse momento tão adverso e retomar o rumo do desenvolvimento do Setor Cultural e Criativo do Estado de São Paulo”, conclui. 

O Matraca também conversou com dois artistas para saber a respeito das dificuldades enfrentadas neste ano de 2020 já que, mesmo com os recursos financeiros oferecidos, muitos profissionais da cultura ainda lidarão com vários desafios. É o caso do diretor, produtor, ator e colunista de arte Rodrigo Ferraz, que ressaltou como a pandemia afetou sua rotina profissional. “No último trimestre de 2019, eu estreei A última Estrofe, peça que voltaria em cartaz neste ano. Porém, três semanas antes da reestreia, os estabelecimentos foram fechados e todo o nosso trabalho de ensaio foi perdido. Enquanto não tivermos vacina, não voltaremos com o espetáculo”. 

Assim como vários outros artistas, Ferraz precisou se reinventar e, dentre suas atividades, criou um projeto chamado Selfie Clássicos, composto por monólogos adaptados de clássicos da literatura e do teatro da língua portuguesa. A primeira temporada foi feita apenas por mulheres e contou com atrizes, como Denise Del Vechio, Bárbara Bruno, Camila Camargo, e outras, interpretando personagens de obras renomadas como A Hora da Estrela, de Clarice Lispector, Lucíola, de José de Alencar, Engraçadinha, de Nelson Rodrigues, Primo Basílio, de Eça de Queiroz, entre outras. 

Os monólogos são publicados no canal Selfie Clássicos do Youtube, além de ser divulgados nas redes sociais e, em breve, estreará sua segunda temporada,  com atores interpretando obras da literatura brasileira, portuguesa e de outras nacionalidades. 

O diretor considera 2020 um ano de reinvenções para os profissionais da cultura de todo o mundo. Para ele, neste ano, em que muitos espetáculos artísticos foram interrompidos e outros nem estrearam, foi preciso se  reinventar para continuar trabalhando, mesmo que não tenha recebido o devido retorno financeiro.  Ele também afirma que o cenário está mudando aos poucos, com a estreia de algumas peças, que, todavia, estão com um público bem menor, em razão da necessidade de distanciamento na plateia para evitar o contágio do novo coronavírus. 

Mas, Ferraz acredita que o cenário cultural só mudará para melhor quando a vacina contra a COVID-19 for aplicada na população e, assim, tanto os artistas quanto a plateia se sentirão mais seguros, seja para atuar ou assistir a um espetáculo. Quanto à Lei Aldir Blanc, o diretor a considera o mínimo de suporte que um artista pode e merece receber em tempos tão incertos e desafiadores. 

O contato com a plateia também é algo imprescindível para a atriz Carola Valente, que diz não saber fazer outra coisa que não seja transmitir sua arte para o público. Com diversas atuações ao longo de sua carreira, ela também se viu diante de uma rotina totalmente diferente com a pandemia da COVID-19. “Eu fui obrigada a interromper minhas atividades. Assim, eu tive que me reinventar de alguma forma e resolvi criar uma tabela de atividades intelectuais e físicas para conseguir lidar com toda esta situação e não ficar paranoica com a quantidade de informações divulgadas.” 

A atriz tem participado de lives culturais, inclusive como assistente do seu namorado Anderson Bonach, que é mágico e também precisou se reinventar com apresentações virtuais de mágica. Ela também foi convidada pelo diretor Rodrigo Ferraz para participar do projeto Selfie Clássicos, o qual considera uma experiência incrível. 

Carola conta que jamais imaginou passar por tais mudanças como as ocorridas em 2020 e que sente um vazio pela ausência de contato com o público. “A falta de levar a arte para algum lugar e de estar no teatro é imensa. Por isso, nós temos a obrigação de nos reinventarmos e não podemos desanimar. Claro que esse momento de estagnação das atividades é essencial, mas, acredito que, quando ele terminar, tudo começará a melhorar e as pessoas valorizarão ainda mais suas vidas”. E completa: “O dia em que eu puder pisar novamente em um palco, serei profundamente grata por tal momento e valorizarei ainda mais minha profissão. Afinal, fazer arte sem plateia, por mais que possamos nos reinventar, não é a mesma coisa e, por isso, espero que as pessoas se conscientizem mais sobre a situação atual”. 

Carola lamenta o fato de muitas pessoas desrespeitarem as medidas de prevenção do novo coronavírus ao fazerem festas clandestinas, não usarem máscaras etc. Para ela, a falta de conscientização apenas contribui para prejudicar ainda mais a população como um todo. 

Ela também comenta sobre a relevância da Lei Aldir Blanc ter saído do papel, já que os profissionais da classe artística estão entre os que mais sofreram e estão sofrendo com a crise ocasionada pela pandemia. “Quantas pessoas estão desempregadas, assim como eu? Porém, trata-se de uma profissão escolhida por nós, por amarmos exercê-la”, disse a atriz, desejando que o ano de 2021 seja mais positivo para o cenário cultural que, na visão dela, nunca foi tão “deixado de lado” como em 2020. 

“Gostaria que, no Brasil, as pessoas valorizassem mais a arte, o que, infelizmente, não acontece. A Lei veio como um apoio aos artistas e aos estabelecimentos culturais e com um pouco de esperança para dias melhores”, afirma a atriz, que diz acreditar na força do artista brasileiro e na superação dos desafios atuais. “Conseguiremos sair dessa pandemia, melhores do que entramos”, conclui.

Foto 1 e 2 – O diretor Rodrigo Ferraz

Foto 3 e 4 – A atriz Carola Valente. Foto 4 ela está sentada

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Mariana Mascarenhas

Jornalista e Mestra em Ciências Humanas. Amante das artes em suas mais variadas formas: cinema, música, exposição, literatura…. Teatro então? Nem se fala! Busca estar sempre antenada com a programação teatral para conferir aquela peça que está dando o que falar: seja para divertir, emocionar ou refletir. Só conferir os textos e ficar de olho no que tá rolando por aí.

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