Membros de escolas de samba explicam qual é o destino dos adereços após os desfiles 

Você já se perguntou qual o destino de tantas fantasias, adereços e carros alegóricos que vemos abrilhantar a avenida durante os desfiles de Carnaval? O Matraca Cultural conta para vocês

Terminados os dias de folia, é hora de tirar as fantasias e pensar em carnaval somente no ano seguinte, correto? Para os foliões, sim. Para muitas pessoas, apenas algumas semanas após esse período, já é o momento de planejar a “festa” do próximo ano, seguido por um trabalho intenso que se estende até o carnaval seguinte. Essa é a rotina de milhares de pessoas que atuam nas escolas de samba, seja na escolha do enredo, na preparação do material, entre tantas outras funções. 

De acordo com Alexandre Magno Nenê, presidente da União das Escolas de Samba Paulistanas (UESP), para suavizar um pouco o alto investimento dos desfiles, a reciclagem de materiais tornou-se uma realidade comum no meio carnavalesco, principalmente entre as escolas de samba de baixo poder aquisitivo. “Elas reciclam, trocam materiais ou serviços, compram itens reciclados etc”, comenta.

Em São Paulo, por exemplo, as escolas de maior poder aquisitivo repassam parte de seus materiais para as de menor dentro de uma “cadeia” que é dividida da seguinte forma: A Liga – composta pelos grupos especial e de acesso 1 e 2 – e a UESP – composta pelos grupos especial e de acesso 1 e 2 de escolas de bairros, além dos grupos especial e de acesso de blocos.  Às vezes, o material é cedido a cinco ou seis escolas de samba, além de ser utilizado em carnavais do interior paulista e também fora do estado.

Entre os principais materiais que são reciclados estão as plumas, devido ao seu alto custo, os arames das alegorias – quando estas não são comprometidas pela chuva –, parte dos tecidos utilizados nas fantasias, que não possuam cola ou costura e que impeçam o reaproveitamento, entre outros. 

Porém, de acordo com o presidente da Federação Nacional das Escolas de Samba (Fenasamba), Kaxitu Ricardo Campos, a reciclagem ocorre muito mais por uma questão econômica do que ecológica. Ele acredita que há uma conscientização das agremiações em reaproveitar os materiais, porém, afirma que ela surgiu a partir da necessidade financeira. “O financiamento público do carnaval paulistano não teve reajuste e, como boa parte do material carnavalesco é importado, ele exige um investimento muito maior, por isso o reaproveitamento de materiais tornou-se um fator determinante para muitas escolas de samba”, afirma 

O presidente da Fenasamba também diz que ainda há escolas que não utilizam material alternativo por uma questão visual. Nenê também concorda pois, embora muitas escolas de samba estejam mais preocupadas com o meio ambiente e, por isso, já seguem um padrão mundial relacionado à proteção da fauna e da flora, há uma preocupação bem maior com a vitória a qualquer preço do que com as questões ambientais.

Há escolas que deixam de utilizar itens de origem animal, optando por produtos artificiais, como as plumas. Porém, tal opção depende da proposta do carnavalesco e de como ele pretende desempenhá-la. “Obviamente, quando se opta por não utilizar itens de origem animal, tem-se um ganho econômico, porém, será necessário pensar no material que poderá substituí-los, exigindo novos investimentos”, afirma Nenê.

Imagem Pixabay

E quanto ao processo de preparação desse material? Como funciona? Cada escola de samba possui sua própria estratégia, mas, geralmente, a definição do samba-enredo e das fantasias ocorre num período de 30 a 40 dias após os desfiles. Há escolas que iniciam a confecção das fantasias e alegorias já no primeiro semestre, com término ao final do ano, já aquelas que começam mais tarde, finalizam a preparação do material às vésperas do desfile, como é o caso de algumas escolas menores que reaproveitam fantasias. 

Para que as agremiações possam ter melhor consciência sobre a quantidade de material que poderão reaproveitar, o enredo para o próximo ano já começa a ser pensado antes do desfile anterior. Definido o enredo, inicia-se, então, o processo de mão-de-obra das fantasias, alegorias e adereços. 

Em São Paulo, segundo Nenê, esse trabalho, nas agremiações maiores e também em algumas menores é influenciado pelos profissionais do Festival de Parintins. Mas, na maioria delas, há um grande envolvimento das comunidades para as atividades diversas, como costura das roupas, serralheria e solda dos carros alegóricos etc. “Alguns são profissionais e outros aprenderam o ofício dentro da escola de samba. Trata-se de comunidades carentes que demonstram como o carnaval é feito do povo para o povo”, comenta.

Mas, quando o desfile acaba, mesmo com a reciclagem de materiais, infelizmente, ainda é possível ver uma grande quantidade de restos de fantasias e adereços jogados no chão, próximo ao sambódromo, especialmente após o desfile das campeãs. Isso apesar das escolas incentivarem seus componentes a levarem as fantasias para que depois possam devolvê-las, quem desejar, em perfeito estado. 

Por isso, o presidente da Fenasamba defende campanhas de conscientização da sociedade a respeito do meio ambiente. “Hoje, existem grupos, como ONGs, que vão ao sambódromo, unicamente, para recolher o lixo lá deixado. Alguns nem estão ligados ao carnaval, como os catadores de lixo. Dessa forma, é preciso conscientizar melhor sobre o funcionamento do nosso ecossistema”, conclui. 

Imagem Pixabay

Nós também conversamos com membros de algumas escolas de samba paulistanas que reaproveitam seus materiais, como é o caso da Acadêmicos do Tatuapé, do grupo especial da Liga. Segundo Marcelo (Tchelo), membro da direção da escola, logo após o desfile, os componentes da agremiação devolvem as fantasias e inicia-se o processo de desmontagem desses itens  para o reaproveitamento. 

De acordo com Tchelo, os carros alegóricos também passam por esse processo de reciclagem: “As esculturas que podem ser reutilizadas são separadas e adaptadas para o próximo enredo, enquanto que as demais são vendidas ou doadas para outra escola. Já o isopor não utilizado é recolhido por uma empresa que o derrete e produz um novo bloco de isopor. Também reaproveitamos as folhagens que usamos e que são artificiais”.

A compra de novos materiais, necessários para complementar o que a escola já possui, só acontece após a total separação do que foi utilizado no desfile e que será reciclado. “As compras são efetuadas em estabelecimentos credenciados e com autorização de comercialização, tudo de acordo com a legislação”. Ele conclui que a reciclagem e o reaproveitamento de materiais, além de beneficiar o meio ambiente, gera empregos por meio da participação das comunidades e, assim, profissionaliza, cada vez mais, o espetáculo do carnaval.

Gerson da Silva (Bolt), um dos compositores da Rosas de Ouro, do grupo especial da Liga, e membro do departamento de eventos da agremiação explica que a escola oferece, gratuitamente, cerca de 50 a 60% de suas fantasias para moradores das comunidades desfilarem.  Após o desfile, a escola solicita a devolução das roupas para que parte delas seja reaproveitada, sendo que algumas são reutilizadas integralmente, independentemente do tema. Já a outra parte das fantasias é oferecida por um preço de R$ 200 a R$ 600 aos foliões, que também as devolvem, se desejarem, para o reaproveitamento. No entanto, como há pessoas de outros estados e países, muitas devoluções acabam não ocorrendo. Quanto às alegorias, Bolt diz que a estrutura é mantida por alguns anos, mudando-se apenas a parte externa, de acordo com o tema. 

Já na escola de samba Brinco da Marquesa, do grupo especial de bairros da UESP, o presidente Adriano Bejar diz que as fantasias são doadas aos componentes e, quem desejar, as devolve para a escola. Assim que elas retornam, são separadas e cria-se um catálogo para identificação de quais fantasias serão reutilizadas. “Após essa etapa, nós também colocamos as fantasias à disposição das nossas ‘co-irmãs’ do grupo de acesso para que possam reutilizá-las, pois, infelizmente, o poder econômico das escolas que estão na base é pequeno. Então nós nos ajudamos, algo essencial entre nós”, afirma.

Essa união é fundamental para o Carnaval acontecer. Que tenhamos desfiles cada vez mais sustentáveis e que promovam a preservação dos recursos naturais.  A festa movimenta a economia, engaja a comunidade e fomenta a ajuda mútua entre diferentes agremiações. É, justamente, essa união a responsável por um dos maiores espetáculos da Terra. 

About The Author

Mariana Mascarenhas

Jornalista e Mestra em Ciências Humanas. Amante das artes em suas mais variadas formas: cinema, música, exposição, literatura…. Teatro então? Nem se fala! Busca estar sempre antenada com a programação teatral para conferir aquela peça que está dando o que falar: seja para divertir, emocionar ou refletir. Só conferir os textos e ficar de olho no que tá rolando por aí.

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