(Prometo não dar spoilers)

Quando saiu a primeira temporada de Sex Education (seriado britânico da Netflix que estreou em 2019), confesso que tive um pouco preconceito. Imaginei que seria mais um seriado presunçoso que, ao se propor falar de educação em sexualidade, não daria conta do recado, abordando superficialmente o assunto. Que deliciosa surpresa conhecer Otis, Erick, Maeve, Adam, Aimee, Jackson, Ola e outros personagens tão reais que me levaram  do riso ao choro com facilidade. Eles me fazem treinar empatia a todo momento e entender do ponto de vista do adolescente sobre suas dificuldades, dores, alegrias e o quão vulneráveis estão pela fase de vida que passam, associada à falta de uma educação em sexualidade honesta e ética. Exato! Não estou exagerando!

Laurie Nunn, criadora da série, está sendo brilhante. A condução dos episódios com dúvidas sexuais, sexo desprotegido, preconceito, autoaceitação, orientação afetivo sexual, sororidade e consentimento, entre tantos outros temas presentes na vida diária dos nossos adolescentes, traz uma luz no fim do túnel, já que em pouquíssimas escolas e famílias se fala sobre sexualidade de forma adequada.

Luz no fim do túnel, pois hoje indico o seriado para mães, pais, familiares e todo profissional que atenda adolescentes.  Costumamos, enquanto família, estender a infância o máximo possível e esquecemos que nossos adolescentes já não são mais crianças. O grande perigo é que eles ficam à deriva, acreditando nas informações inadequadas que chegam até eles. Não adianta negarmos o fato de que viraram adolescentes e que precisamos ter empatia pelos nossos próprios filhos antes de tudo. E isto este seriado ensina com maestria.

Assisti a segunda temporada ao lado da minha filha adolescente de 16 anos. Rimos e choramos juntas. Trocamos impressões e passei informações importantes que ela não tinha. Abre-se caminho então para conversas urgentes e necessárias.

Conversas sobre Infecção sexualmente transmissível (IST), já que na segunda temporada fala-se de Clamydia, uma IST que pode levar à esterilidade. E temos muito o que falar do assunto de forma construtiva numa realidade na qual a infecção por  HIV  duplicou  na faixa etária de 15 à 19  anos em uma década (2008-2018 dados Ministério da Saúde) e, o pior, tendo por aí a previsão de política pública de educação em sexualidade nas escolas brasileiras baseada em abstinência. A série nos joga um balde de água fria necessário ao nos mostrar que romantizar e fechar os olhos pra técnicas de educação em sexualidade preconizadas pela UNESCO, OMS e outras entidades sérias com comprovação científica, das quais a escola precisa participar efetivamente, estamos expondo muito mais nossos adolescentes  à  gestação e ISTs.

Como não se emocionar no episódio sobre assédio sexual e sororidade. Se você já assistiu, sabe do que estou falando. Em um país onde no carnaval precisamos da campanha “Não é não”, precisamos sim de um movimento que busque condições igualitárias para homens e mulheres, e como precisamos, enquanto mulheres, nos unir e não nos atacar. A ideia é: podemos não gostar de alguém que seja mulher, mas precisamos não atacar alguém “por ser mulher” e sim nos unir constantemente. Corra lá, assista e entenda.

Convivência dentro da família, expectativas irreais de pais e mães quanto aos filhos também são assuntos presentes e as abordagens são um “tapa na nossa cara”, que muitas vezes também repetimos aqueles padrões inconscientemente com nossos filhos.

Como mãe de adolescente e educadora em sexualidade, às vésperas do carnaval, em um país que valoriza a exposição de corpos de forma sensualizada, vende erotismo, mas na maioria das vezes nega a sexualidade dos nossos filhos, assistir Sex Education pode nos ajudar a refletir sobre nossas dificuldades e o como  elas atrapalham o crescimento saudável dos adolescentes. Nem preciso dizer o quanto pode ajudar os nossos filhos, sobrinhos, netos, alunos e pacientes a se perceberem e se encontrarem. Saber que não estão sozinhos e que suas queixas não são “mimimi” como muitos falam. Sex Education valida suas vivências e os faz pensar. Isso, associado à uma educação em sexualidade ética na escola, poderá transformar seu  presente e futuro.

Assista Sex Education! Mas com o coração e mente abertos! Assista na posição de estudante de uma geração que aprendeu educação em sexualidade através de filmes pornôs e aulas na escola que reduziam o tema aos aparelhos reprodutivos! Garanto que não somente seus adolescentes ganharão com isso!

Beijos no coração

Excelente carnaval e até a próxima

Lilian Macri é mãe, médica, pós-graduada em sexualidade pela Universidade de São Paulo, em educação em sexualidade pela UNISAL e especialista em terapia sexual pela SBRASH. Atua como colaboradora do Projeto Afrodite da UNIFESP, no ambulatório de disfunções sexuais femininas. Atende em seu consultório e ministra palestras sobre sexualidade pelo país, com foco em orientação de famílias e educadores sobre a sexualidade infantil. É idealizadora do Movimento Educando para a Vida, que visa à inclusão da família e da escola na construção de valores éticos com os filhos/alunos, priorizando a humanização das relações e pessoas envolvidas. A ideia é trabalhar os três pilares: família, escola e filhos/aluno.

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Matraca Cultural

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