Foto Stephan Solon

Há 35 anos, chegava às telas brasileiras a história de um personagem órfão, de apenas 8 anos, que se escondia dentro de um barril numa pequena vila: o menino Chaves, protagonista do seriado mexicano que leva o nome do personagem (El Chavo del Ocho) e que se eternizou no Brasil, conquistando fãs de todas as idades. 

Reprisado infinitas vezes no canal aberto SBT e agora com transmissão também no canal pago Multishow, que chegou a exibir episódios inéditos, o seriado continua a conquistar o público, sem contar a legião de fãs que cresceu vendo o programa e não se cansa de rir de suas piadas e se encantar com os personagens. 

O programa criado pelo escritor, roteirista, diretor e ator, que também interpretava o Chaves, Roberto Gómes Bolaños (1929 – 2014) – apelidado, carinhosamente, de Chespirito, por ser comparado a um pequeno Shakespeare –,  ganhou uma bela homenagem em formato de espetáculo musical que está, atualmente, em cartaz no Teatro Opus, em São Paulo. 

Licenciado pelo Grupo Chespirito e com direção de Zé Henrique de Paula, Chaves – Um Tributo Musical dá vida cênica aos personagens da Vila com canções e texto inédito, fazendo um tributo a Bolaños, mesclando, também, elementos circenses, para ressaltar o quão divertido era seu criador. 

A peça se inicia com a chegada de Bolaños a uma espécie de céu dos palhaços, mas, para entrar, ele precisará passar por uma imigração, o que não será uma tarefa, inicialmente, fácil, já que, por não estar caracterizado como palhaço, ele não é reconhecido como um. Para mostrar o palhaço que habita dentro de si, ele viaja no tempo e transporta o público para a gravação de episódios do Chaves. Chegamos, então, à famosa Vila, que é ovacionada pela plateia, com seus queridos personagens, como Kiko, Chiquinha, Dona Florinda, Seu Madruga, Seu Barriga, Dona Clotilde e a estrela do seriado: Chaves.

 O ator Fabiano Augusto, que interpreta Bolaños, conta como foi o processo de preparação para encarar o personagem: “Quando eu soube que iria interpretá-lo, li muitos livros sobre ele; difícil, mesmo, foi encontrar material em vídeo sobre a ‘pessoa física’. Assim, tive um pouco mais de liberdade para fazer o ‘Bolaños’ que eu acho que ele foi, tudo com base no que eu li. Mas o mais curioso é que, quando o CEO do grupo Chespirito veio assistir a um ensaio, ficou impressionado com a semelhança física dos gestos”.

Ele diz ter ficado um pouco “sozinho” durante os ensaios, já que seu personagem era o único realista, pois os demais eram personagens da Vila e palhaços. “Eu tinha que acessar a emoção da nostalgia de voltar no tempo e reencontrar os personagens criados pelo Chespirito. Um dos processos mais difíceis que vivi até hoje, mas fui muito bem amparado pelo diretor Zé Henrique de Paula, pela Fernanda Maia (a autora e diretora musical), pela Inês Aranha (nossa preparadora), pelo Gabriel Malo (nosso coreógrafo) e por todo o elenco que me ajudou muito a compor o personagem”, conta o ator, que assistiu ao seriado, pela primeira vez, aos 9 anos de idade, porém o achou muito triste, devido às situações sociais apresentadas. “Depois disso, nunca mais vi, mas, desde junho, não tenho feito outra coisa a não ser assistir aos inúmeros programas criados pelo Chespirito”.

O ator Fabiano Augusto (à esq.) ao lado do ator Mateus Ribeiro, que interpreta o Chaves – Foto Rafael Beck

Segundo o ator, a proximidade do Brasil com o México, que tem como marca registrada a desigualdade presente no programa, mas também o nosso otimismo são fatores que podem justificar o sucesso duradouro de Chaves, especialmente em nosso país: “Encontramos inúmeros Chaves pelas ruas todos os dias. No entanto, Chespirito sempre foi um gentleman do humor, fazendo graça com classe!”, afirma. E falando em humor, para Fabiano Augusto, está cada vez mais difícil fazê-lo, hoje em dia, pois, por um lado, vale tudo para se fazer rir, mas, por outro, há uma patrulha enorme do que pode e não ser feito. “Mas estou com Chespirito, você não precisa humilhar ninguém para fazer piada. Vamos rir de nós mesmos para que não choremos depois”, conclui.

Já para Angelo Binder, jornalista e colunista de TV, a simplicidade do cenário, a estética, a falta de recursos técnicos – que, para ele, é um grande atrativo para as novas gerações por verem a dificuldade de produzir efeitos especiais na época, algo tão mais simples hoje – e também os erros de continuidade das cenas são fatores que garantem a audiência geral do seriado.  “As pessoas ficam procurando as falhas e os detalhes engraçados de outra época. Meu filho de 9 anos se diverte com o seriado. O que chama a atenção dele são os atores adultos fazendo o papel de criança. Ele também pergunta quem é o pai do Quico, onde mora o Chaves, e quem é a mãe da Chiquinha. Enfim são questões que ficam sem respostas, mas a gente fica imaginando a vida dos personagens fora da Vila”, completa. 

Para Binder, a tendência é que programas como Chaves sejam cada vez mais raros pela dificuldade em prender a atenção das pessoas com humorísticos do gênero. “Se o Chaves tivesse um remake, seria legal no começo, mas depois, com a qualidade e recursos técnicos das produções atuais, perderia a graça rapidamente. A graça do programa está no rústico, nas cadeiras de isopor que quebravam na cabeça do Seu Madruga, nas visitas do Professor Girafales a Dona Florinda para tomar uma xícara de café, nas boladas para recepcionar o Seu Barriga na Vila. Enfim, as mesmas brincadeiras e bordões que em programas atuais não têm mais o mesmo efeito. Já em Chaves são o que garantem toda a diversão”, afirma

Todavia, embora o programa apresente um humor diferenciado da tendência atual, pode-se dizer que seus personagens apresentam realidades que estarão sempre presentes no meio em que vivemos, algo que, para o colunista, se revela o grande aprendizado do seriado e a chance de perceber a urgente necessidade de evolução da sociedade, que, segundo ele, está mais digital do que nunca. “O compartilhar um brinquedo com quem não tem (como acontece na série) é um aprendizado. Aceitar-se dentro da sua condição financeira é um primeiro passo para crescer. Mas, vendo Chaves, percebe-se que melhoramos um pouquinho. As novelas antigas reprisadas no canal Viva também nos permitem essa reflexão de algumas evoluções da nossa sociedade”.

Foto Stephan Solon

Nós do Matraca também conversamos com fãs do seriado, que o acompanham desde pequenos, incluindo quem assistiu ao musical, para saber mais sobre os motivos de seu sucesso infindável, e todos, ao serem perguntados sobre o que justifica tamanha repercussão do programa até hoje, citaram, entre outras questões, a simplicidade, como um forte fator. 

Chaves mostra a realidade de muitas crianças do Brasil, como a pobreza, a fome, os problemas com a família e os vizinhos, e também acho que a linguagem pura atrai as crianças, além do incentivo dos pais por algo que era do gosto deles, fazendo as novas gerações amarem também, mas o fato da simplicidade estar alinhada com um senso de justiça na série faz com que ela seja ainda mais querida”, diz Junior Achiles, de 35 anos, administrador da página Chaves e sua turma, que possui mais de 800 mil seguidores nas redes sociais. Ele assistiu o musical juntamente com a dubladora da Chiquinha, Cecília Lemes, e diz ter sido o evento mais emocionante sobre o programa que já viu. 

O humor simples e as situações rotineiras também foram os primeiros fatores citados pelo administrador Rubens Neto, de 30 anos, sobre o motivo do seriado continuar encantando tanta gente. “Pegam momentos e situações comuns, do dia a dia, e encaixa uma piada, um trocadilho ou uma cena engraçada. Além do humor, há outras questões marcantes também, como quando a Vila se junta para fazer algo para as crianças ou para preparar uma surpresa ao Chaves”.

Já para o ilustrador Antonio Félix Júnior, de 38 anos, a simplicidade e a inocência dos episódios são justamente o que permitem que Chaves seja um dos poucos programas possíveis para juntar toda a família e assisti-lo sem receio. “As séries do Chespirito moldaram parte significativa do meu caráter, não só pela inocência do humor, mas também porque, de certa forma, seus personagens retratam um pouquinho de nós mesmos, cheios de defeitos, mas sempre com potencial de fazer coisas boas”, ressalta.

Uma das famosas cenas do programa são os tabefes que, especialmente o menino Chaves, costuma levar, principalmente, do Seu Madruga, quando o tira do sério.  Algo que não se repete no musical, já que a direção do espetáculo optou por não reproduzir nenhuma cena que as personagens crianças apanham. “Como é uma homenagem, não acho legal trazer isso para o palco, as crianças conseguem ver com outro olhar essa homenagem, afinal, crianças sofrem diariamente e Bolaños já retratou isso na década de 70”, afirma Achiles. Para ele, a magia do programa está em outros pontos, como na amizade e no amor entre os pequenos.

Segundo Binder, os tabefes acontecem, pois refletem a sociedade da época, no entanto, o programa mostra que alguns comportamentos, como um adulto batendo numa criança, não são mais aceitáveis nos dias de hoje. Por isso, de acordo com o colunista, quem assiste Chaves, atualmente, necessita explicar aos filhos que a sociedade evoluiu e que, hoje, há outras formas bem melhores e mais eficazes de educar alguém. “Chaves é uma ótima chance de mostrar para as novas gerações como evoluímos”, ressalta. 

Outro ponto interessante no musical e que difere do seriado é a presença de palhaços como o Benjamin, em homenagem ao primeiro palhaço negro do Brasil, Benjamin de Oliveira (1870 – 1954), que possuía Chaves no sobrenome real. Para Rubens Neto, trata-se de uma ideia muito interessante para homenagear Bolaños. “Chaves é um dos trabalhos mais conhecidos dele e ele fazia as pessoas rirem sem a vestimenta ‘tradicional’ de palhaço, sem a maquiagem. Mas era um. Tinha sua própria roupa, sua identidade, seu próprio jeito de divertir as pessoas”, diz. 

O ilustrador Júnior também adorou a ideia, pois, para ele, “reproduzir a genialidade de Bolaños em um roteiro novo seria muito difícil, e os elementos circenses sempre estiveram presentes no seriado, afinal, Chespirito sempre foi um palhaço”. Ele lembra, inclusive, de um belo episódio do Chapolin (outro seriado criado por Bolaños) transmitido recentemente pelo MultiShow em que ele faz uma homenagem ao circo.

Foto Stephan Solon

Crianças, adolescentes, adultos e/ou idosos, todos fazem parte da legião de fãs desta série que se eternizou no Brasil, sendo reprisada incontáveis vezes. Além de cativar um grande público, o programa chega até mesmo a inspirar seus fãs para ações solidárias como é o caso do jovem Jean Chambre, de 25 anos, que, juntamente com outros amigos, se veste de cosplay de personagens do seriado Chaves para visitar hospitais infantis e orfanatos. A ação faz parte do grupo Super Amigos Arte Cosplay, que foi criado em 2016 com a ideia de reunir amigos pra levar personagens a hospitais. Este ano, o grupo está concorrendo ao prêmio Cubo de Ouro na categoria melhor projeto social do Brasil.  

Foto Stephan Solon

Chambre – que é um dos apresentadores de um programa de variedades chamado Sextou, veiculado na Rádio Cultura FM 97.3 e na Rádio Web, e que conta com a participação da dubladora da personagem Chiquinha. Ele se considera um grande fã do Chaves e, desde pequeno, acompanha os episódios. Para ele, os roteiros de Chespirito são muito inteligentes e conseguem explorar bem o talento de cada ator. “Escrever um texto nos moldes do Chaves é a coisa mais difícil, tanto que depois dele ninguém conseguiu emplacar um programa de humor circense na TV”. 

Jean Chambre (no centro) em ação solidária

Ele também conferiu o musical: “Está perfeito, trouxe uma história inédita que não foi escrita pelo Chespirito, mas tem tudo dele ali, não faltou nada da essência do Chaves, tanto em música quanto em piadas, o final emocionante do musical é bem característico do Chespirito”. 

Quem não assistiu, ainda dá tempo de se encantar e se emocionar com a história do espetáculo e compreender ainda melhor porque uma série com humor simples e inocente se consagrou entre as gerações. 

Serviço: 

Chaves – Um Tributo Musical 

Onde: Teatro Opus (Shopping Villa Lobos): Avenida das Nações Unidas, 4777, Alto de Pinheiros, São Paulo. Tel: (11) 4003-1212

Quando: sextas às 21h, sábados às 16h e às 20h e domingos às 15h e às 19h

Quanto: R$ 75 a R$ 120. Vendas pelo site: uhuu.com

Até 27 de outubro de 2019

 

About The Author

Mariana Mascarenhas

Jornalista e Mestra em Ciências Humanas. Amante das artes em suas mais variadas formas: cinema, música, exposição, literatura…. Teatro então? Nem se fala! Busca estar sempre antenada com a programação teatral para conferir aquela peça que está dando o que falar: seja para divertir, emocionar ou refletir. Só conferir os textos e ficar de olho no que tá rolando por aí.

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