*Por Janaína Spolidorio

Algumas coisas são etéreas na literatura. Vez ou outra aparece uma obra, à qual damos o nome de clássico. Isso, porque tem características que podem ser usadas em qualquer época e lugar.

Temos um grande mestre da literatura brasileira, que nem se encaixar totalmente em uma escola literária ele conseguia: Machado de Assis. Se Machado fosse escrever hoje Dom Casmurro, provavelmente Bentinho não seria nem padre e nem advogado. A maior probabilidade seria ele ser mesmo é influenciador digital. Exatamente isso.

Caso não tenha entendido de pronto, é porque na escola distanciaram muito a obra de você, mas não se aflija! Estou aqui para fazer o papel dos vermes mencionados na obra.

Para quem não conhece, Dom Casmurro é o nome dado a Bentinho, cuja mãe tem o sonho que se torne padre e que ama Capitu, a famosa menina com olhos de cigana, olhos de ressaca. Durante o enredo, nosso personagem principal decide se tornar advogado, indo contra a vontade da mãe, e casa-se com Capitu, usando-a como culpada de sua mudança.

Se não fez a ligação ainda, eis que temos hoje os influenciadores. Seu trabalho é… influenciar, lógico! O que de diferente faz o padre ou o advogado senão influenciar? Bentinho nunca poderia ser padre, pois sua influência seria limitada à religião que exerceria sua influência. Ele optou por ser advogado, podendo não apenas influenciar, mas também ser versado na arte de convencer, sem o limite da religião e hoje… o que mais teria maior influência do que ser o próprio influenciador digital?

Os de fama são natos, mas é um ofício que pode ser aprendido e alimentado pela popularidade. Vez ou outra os nossos Bentinhos, vestidos com a carapuça de Dom Casmurro, soltam uma pérola para movimentar as massas, manipular seu público e ser visto por quem não segue, chega a ser quase que histriônico. Não se aflija se não conhecer a palavra.

Histriônico é uma condição mental na qual as pessoas fazem tudo para serem o centro das atenções. Não há limites no jogo de atrair os olhares, mas não é culpa dele e sim uma necessidade quase que vital. A segurança vem da atenção que recebe e se sentem aniquilados quando fracassam. Neste ponto, fazem de tudo para retornar ao palco: verdadeiros Bentinhos, com seus jogos de atenção. Não digo que influenciadores sofram deste transtorno, mas sem dúvida alguns se encaixam perfeitamente na descrição médica.

Veja ou outra, desta vez, até recentemente, um influenciador lançou o clássico (olha aí a metalinguagem!) “para que usamos tais livros/autores no Ensino Médio, se não acrescenta nada em nossas vidas”, com suas palavras, lógico, que não são dignas de aqui serem citadas.

Uma postagem assim é digna sim de um romance de Machado de Assis para manipular o leitor, mas Machado o fazia com uma inteligência que talvez 1% dos influenciadores atuais tenham – certamente um que solta algo assim não faz parte desta parcela.

A intenção? Chocar, naturalmente. Quando Bentinho declara que vai largar o seminário e se tornar advogado, o que você acha que quis causar em sua mãe, que levou uma vida com a convicção de que o filho seria padre? Quando um influenciador solta uma pérola dessa, qual não seria a intenção senão chocar, não apenas seus seguidores, mas também tentar chamar a atenção de outros, como uma criança mimada? Os seguidores ele choca, porque a mentalidade é igual à deles: adolescente, imatura, então eles se sentem apoiados. Os não seguidores, literários, inclusive aí fazendo parte, ele choca porque os faz se sentirem incomodados: uma descarada vingança para com o público que não o acolhe.

Não vale a pena citar nomes aqui, porque assim como Machado usou um pseudônimo para Bentinho, pois quem sabe ele tenha sabiamente percebido que o leitor não conseguiria dissociar a dupla personalidade de nosso anti-herói, e ainda lhe daria todo o crédito, sem ele tê-lo merecido; eu me abstenho de citar nomes, pois esta é a intenção por trás do influenciador, que com suas redes com “olhos de ressaca” tentam atrair pessoas, muitas vezes com intenções traiçoeiras. De qualquer forma, um está dentro do outro, “como a fruta dentro da casca”.

Me coloco aqui não pela postagem, mas pelo incômodo do desrespeito à área que me dedico: a educação. Como profissional da área o que me incomoda não é a pessoa, pois esta ou faz parte da parcela mal formada academicamente ou é um gênio enrustido. Mal formado, você já deve saber o motivo: só alguém que não entende Machado soltaria uma sentença de insulto assim, menosprezando a área. Um gênio enrustido, pois pode ser que conheça – quem sabe… quem sou eu para julgar… – Dom Casmurro, aprecie Machado e tenha feito uma metalinguagem se sentindo o próprio Bentinho. Esta última alternativa acho pouco provável, mas não podemos perder a esperança na humanidade.

Como profissional da educação o que me incomoda é o impacto que algo assim tem nas pessoas. Uma lástima, que em lugar de usar a influência para incentivar boas práticas, contribua para a má formação da população. Mas, por fim, se o público do influenciador não permanecer com a mesma mentalidade eternamente, de que outra maneira ele conseguiria prendê-lo?

Especialista em educação, Janaína Spolidorio é formada em Letras, com pós-graduação em consciência fonológica e tecnologias aplicadas à educação e MBA em Marketing Digital. Ela atua no segmento educacional há mais de 20 anos e atualmente desenvolve materiais pedagógicos digitais que complementam o ensino dos professores em sala de aula, proporcionando uma melhor aprendizagem por parte dos alunos e atua como influenciadora digital na formação dos profissionais ligados à área de educação.

Este texto é de responsabilidade do autor e não reflete, necessariamente, a linha editorial do Matraca Cultural

About The Author

Matraca Cultural

Cultura é entretenimento, é reflexão. Ela está presente em todas as nações, nas grandes revoluções, nas periferias e nos momentos de repressão. Ela está na rima do rap, no drama teatral, no movimento da dança, nas vidas da tela do cinema, nos contos fantasiosos de livros e em diversas manifestações humanas. Matraca Cutural é boca aberta para a música, dança, teatro, exposições, cinema e mostras e usa a cultura como vetor de transformação, de respeito às diferenças e importantes reflexões.

Related Posts

Leave a Reply

Your email address will not be published.