Por Lyllian Bragança

Um dos momentos mais emblemáticos da minha vida, sem pestanejar, foi o encontro que o canal Faixa Amarela do Carnaval me propiciou: a experiência de mediar o “Meu corpo, minhas regras”, um bate-papo com duas grandes mulheres do Carnaval. Histórias diferentes, mas que vão, de alguma maneira, confluir nas dores que vivenciamos diariamente.

Primeiro é preciso dizer que “Meu corpo, minhas regras“ está alicerçado aos nossos antepassados, já que mulheres pretas em África viviam muito bem com seus corpos, e obrigada. Para além, quando chegam num lugar onde os povos originários também não tinham problema com a nudez, isso se intensifica, e propicia uma naturalização que só vai ganhar contornos de hiperssexualização por parte do branco.

Daí dizer que o samba não tem fronteira, pelo fato de que à época da escravidão não havia delimitação entre Estados e Municípios, somente as fazendas e os campos. Quando se percebeu que era preciso delimitar para higienizar, a gentrificação e o pensando no capitalismo, a elite escravagista jogou nosso povo para as áreas mais periféricas, no caso de São Paulo, e no caso do Rio, nos morros.

Então veio o reconhecimento, o olhar, a conversa de poder entender como nós mulheres pretas do samba chegamos até aqui. Evelyn Bastos, que é, além de linda, inteligente, forjada por uma escola de samba que lhe garantiu todo seu entendimento e que lhe deu estrutura para poder ser aquilo que ela quisesse ser, sem se esquecer de sua origem. Isso é de uma grandiosidade, e de um amor, que fiquei emocionada.

Aliás, emoção foi o que não faltou, quando Joyce Carolina, uma mulher preta e gorda, passista como eu, colocou suas dores para fora e, com muita força, mostrou que o preconceito não pode nos parar, tão pouco determinar quais serão os lugares que ocuparemos.

É o tal mito da democracia racial que Lélia Gonzales já falava 40 anos atrás, que insiste em determinar nossos espaços. Que vai dizer à essas mulheres pretas do Carnaval que podem ser “Rainhas”, mas que na quarta–feira de Cinzas vão voltar a ser as “domésticas“; que não aceita que furemos a bolha, que coloca todas as mulheres pretas, mesmo que não sejam do Carnaval, como “mulatas”.

A busca incessantemente é mostrar que precisamos falar sobre e demonstrar que não só nossas narrativas são importantes, como principalmente, não precisamos brigar por elas. Essas são únicas e precisam se unir em algum momento. Isso também é um passo grande para que mulheres brancas observem a construção de suas histórias. Mas é preciso lembrar que a empatia é peça fundamental para quebrar todas as barreiras, para que possamos no ver e nos reconhecer.

Homens brancos nos propiciaram esse momento, importante fazer esse recorte étnico e de gênero. Eles nos viram e nos deixaram ali, para que pudéssemos nos reconhecer.  E como disse para a Joy, o nervosismo não era por estarmos entre nós, mas porque hoje nos reconhecemos. Mulheres pretas do Carnaval são a revolução em si. Sigamos.

*Lyllian Bragança é jornalista por formação e sambista por adoração. É passista e musa do Vai-Vai.

About The Author

Matraca Cultural

Cultura é entretenimento, é reflexão. Ela está presente em todas as nações, nas grandes revoluções, nas periferias e nos momentos de repressão. Ela está na rima do rap, no drama teatral, no movimento da dança, nas vidas da tela do cinema, nos contos fantasiosos de livros e em diversas manifestações humanas. Matraca Cutural é boca aberta para a música, dança, teatro, exposições, cinema e mostras e usa a cultura como vetor de transformação, de respeito às diferenças e importantes reflexões.

Related Posts

Leave a Reply

Your email address will not be published.