PL 1075/2020 aguarda a sanção presidencial. Em São Paulo, coletivos criam festival online para pressionar por mais agilidade na aprovação da PL 253/2020 na Alesp

A situação financeira da cultura brasileira está ruim há algum tempo e, diante da pandemia do novo coronavírus, o cenário ficou ainda pior. Por ser um setor que depende muito da presença do público, foi o primeiro a parar as atividades e provavelmente será o último a voltar. Espaços culturais estão fechados, contratos foram encerrados e os projetos interrompidos. Diversas marcas estão patrocinando lives, mas quem está fora da mídia não é contemplado por elas. É uma estratégia de divulgação de marca, não um apoio ao setor cultural.

O Projeto de Lei (PL), intitulado Lei de Emergência Cultural Aldir Blanc, em homenagem ao cantor e compositor brasileiro homônimo, falecido em decorrência da COVID-19, no dia 4 de maio deste ano,  foi aprovado no dia 4 de junho pelo Senado Federal. O objetivo do projeto é a realização de ações emergenciais para o setor cultural, por meio da destinação de R$ 3,6 bilhões para criar uma renda básica de um salário mínimo aos trabalhadores do setor e auxiliar os espaços culturais privados com subsídio de R$ 3 mil a R$ 10 mil mensais para manutenção, entre outras iniciativas. O projeto aguarda a sanção do presidente Jair Messias Bolsonaro, que ataca constantemente o setor cultural e a classe artística, mesmo antes do início do seu mandato. A falta de apreço dele pela cultura do país já é conhecida, tendo, inclusive, vetado a inclusão de artistas entre os profissionais que têm direito ao auxílio emergencial. 

“Espaços, grupos, coletivos e artistas independentes estão passando por um momento extremamente delicado. Existe pouca oportunidade de trabalho para os artistas que não são midiáticos. Em nível nacional, a cultura acabou. Agora é aguardar pela próxima administração e torcer para que retomem o caminho da cultura. Esperamos que o ‘inominável’ não vete a PL 1075/2020. São três meses de pandemia e ainda há muita incerteza. Não tem teste, controle ou dados razoáveis, inclusive para saber quando e como voltar, e quais serão os procedimentos de segurança para as pessoas irem ao teatro ou cinema. Quando for aprovada, a lei não vai resolver o problema, porque o palco e a interação são necessários”, afirma UMANTO, cantor, compositor e artista empreendedor.

Vale ressaltar a importância da cultura para a economia. De acordo com o IBGE, o setor empregava cerca de 5 milhões de pessoas em 2018. Isso representa 5,7% do total de trabalhadores do país. Em São Paulo, que ainda não tem um Sistema Estadual de Cultura aprovado em lei, a arrecadação do setor corresponde a 3,9% do PIB e gerou 1 milhão de postos de trabalhos, 650 mil deles informais. A despeito disso, o governador João Dória congelou 68% dos recursos previstos na LOA 2020 para a cultura.

“Existe um poder público que diz estar aberto ao diálogo e, definitivamente, não é o caso do presidente Bolsonaro. No estado e no município, dizem que há esse espaço, mas o que tem acontecido são propostas de cima para baixo, muito unilateral. Nós continuamos buscando o diálogo, que pressupõe que as duas partes consigam chegar a um consenso, mas isso não tem acontecido. Parece que nós falamos e não nos escutam”, comenta Inti Queiroz, produtora, pesquisadora e ativista.

Em âmbito estadual, em São Paulo, a Frente Parlamentar em Defesa da Cultura na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp), que contou com entidades e movimentos organizados do setor como aliados, criou o projeto de lei 253/2020, que consiste no auxílio imediato a trabalhadores do setor com o pagamento de um salário mínimo estadual no valor de R$ 1.163 mensais e R$ 3.500 para espaços culturais durante todo o período no qual as atividades estiverem suspensas por conta da pandemia. O projeto é de autoria das deputadas Isa Penna , Monica da Bancada Ativista , Erica Malunguinho , Carlos Giannazi , Leci Brandão , Márcia Lia , Beth Sahão e Emidio de Souza. 

“Os orçamentos dos poderes nunca dão faturamento robusto para a cultura, tratam como se fosse algo supérfluo, mas não é. O governo sempre teve muita má vontade com a classe artística e com a cultura, tanto que quando a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) está sendo elaborada, nós sempre procuramos colocar um percentual que possa atender minimamente as necessidades do setor, mas nunca temos respostas positivas”, comenta  Leci Brandão, deputada estadual pelo PCdoB, sambista e uma das autoras da PL 253/2020. “Ouvimos pessoas envolvidas na cadeia da cultura e chegamos ao consenso de que era necessário um programa de auxílio emergencial para os espaços culturais e trabalhadores do setor. Entendemos que isso precisa ser feito imediatamente”, completa. 

A PL 253/2020 foi publicada no dia 17 de abril, ou seja, há dois meses. Porém, até o momento, o projeto ainda está em tramitação na Alesp. “A situação na Alesp é sempre muito difícil. Pouca coisa tem passado, a não ser o que o próprio governo manda. A urgência da aprovação é para ontem e a tramitação depende muito dos diálogos internos. Por isso é muito importante todo mundo pressionar os deputados, principalmente os mais locais, que agem muito pressionados pela base”, afirma Inti.

Sobre a atuação de Sérgio Sá Leitão, secretário de Cultura e Economia Criativa do Estado de São Paulo, em propor soluções para o setor durante a pandemia, UMANTO comenta: “Nos últimos anos passamos por algumas situações de muito desconforto. Ele é da cultura, mas não joga a favor dela como deveria. Quando o projeto foi apresentado, ficou em cima do muro e não apoiava de forma objetiva e clara. Ele fica com o freio de mão puxado, com o pé na burocracia e não age como um verdadeiro representante. O auxílio aos fazedores de cultura e espaços já deveria ter acontecido, estamos super atrasados”. Ele completa dizendo que a classe precisa ser ouvida, pois é quem de fato entende o cenário. “Vimos e percebemos que os próprios envolvidos na administração pública são claramente incapazes de tomar medidas por eles. Uma das coisas mais incríveis nos últimos tempos foi termos percebido que quem sabe, de fato, é quem faz”.

Um dos idealizadores da PL, Jesus dos Santos, afirma que a urgência da aprovação é necessária para salvar vidas. Para ele, o setor cultural, além de contribuir com uma vasta cadeia de artes e entretenimento, é responsável por solidificar a construção de uma identidade nacional e promover a emancipação das relações sociais. A aprovação dessas leis é necessária para a cultura do país não  morrer.

Com relação ao futuro, a verdade é que o cenário ainda está repleto de incertezas. Silvio Tadeu, diretor da Cia Ágata, afirma que será necessária a criação de um plano de governo específico para a cultura, que já é uma discussão antiga. “No processo de retomada econômica e sanitária em nosso país, é primordial que seja elaborado um plano bastante minucioso para o setor. É necessário pensar em um fundo capaz de gerir políticas de amparo, sustentação e realização plena de atividades culturais. Precisamos prever, dentro das políticas públicas, a questão digital que passou a ter uma relevância e, sem dúvida, vai ser o grande desafio da produção artística”. A Cia, depois de 18 anos ininterruptos de produção, precisou interromper os espetáculos que estavam em produção. Cerca de 50 pessoas atuavam nos projetos e sofreram os impactos da pandemia.

Para Inti, é necessário ampliar a discussão e envolver mais pessoas nas discussões, inclusive as que não têm histórico de militância. Para ela, esse é um momento importante de organização da classe trabalhadora da  cultura e que os reforços e a união ajudarão na aprovação, não apenas da PL 253/2020, mas para que o setor consiga passar por esse momento e sair mais fortalecido.

Para criar um espaço de debate, mobilizar a população e pressionar por mais agilidade dos representantes políticos da Alesp na aprovação da PL 253/2020, os coletivos “Viralize!Cultura”, “Coletivo Útero”, “Motim Bafro” e “Coletividade Vou Assim”, criaram o “Fest 253 online, um Grito pela Cultura”. A programação, representada na pluralidade e diversidade das expressões artísticas da cena cultural de São Paulo, é composta por bate-papos e shows. As datas do festival serão divulgadas pelo perfil do Instagram @pl253_cultura, no qual também são disponibilizadas informações atualizadas sobre a tramitação do projeto.

O ator Luiz Fernando Almeida finaliza: “A secretaria especial de Cultura odeia a cultura. Desde o início deste Governo, todos sabem que não há diálogo com a classe artística e tão pouco a intenção deles em fomentar a cultura neste país. O poder público precisa olhar para o setor com responsabilidade. Há um projeto político de desmanche da cultura e precisamos impedir que ele avance”.

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Antonio Saturnino

Jornalista, atleta frustrado, cantor de karaokê e pai de pets. Ama música e escrever sobre o tema durante anos lhe permitiu conhecer novos cantores e estilos musicais, então vocês verão muita coisa diferente e nova por aqui. Dança no meio da rua, adora cozinhar e estar em conexão com a natureza.

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