De acordo com a última edição do estudo Atlas da Violência (2019), do  Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e do Fórum Brasileiro de Segurança Pública mais de 75% das vítimas de homicídio no Brasil foram pessoas pretas. Em São Paulo, 63,5% dos mortos durante ações policiais no primeiro semestre deste ano são pretos ou pardos, de acordo com dados disponibilizados no Portal da Transparência da SSP-SP (Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo). Isso significa que a cada 16 horas, morre um Miguel, uma Ágatha, um Pedro, uma Marielle ou um David.

Nos últimos dias, manifestações contra o racismo estrutural ganharam as ruas de diversas cidades nos Estados Unidos, depois que George Floyd, um jovem preto, foi morto durante uma ação policial em Mineápolis, no dia 25 de maio. Sua morte ocorreu por asfixia, depois de ter seu pescoço prensado pelo joelho de um policial durante 8 minutos.

Antes de morrer, o jovem disse que não conseguia respirar (I can’t breathe, pedindo por ajuda. A frase é repetida por manifestantes ao redor do mundo contra a repressão aos negros. É um grito da população preta que não aguenta mais ver seus jovens morrerem, simplesmente pela cor da pele.

Sim, o racismo estrutural existe. Isso significa que a sociedade está estruturada de forma que uma raça é privilegiada em detrimento da outra. Os africanos foram sequestrados de suas terras, foram escravizados e, quando a “abolição” aconteceu, não tiveram nenhum tipo de reparação. Não tiveram direitos a terras, a estudos, trabalhos, saúde, nada. Quebrar ciclos de pobreza sem qualquer política reparatória é algo impossível. Se você acha que é mimimi ou vitimismo, talvez seja parte do problema.

O racismo silencia vozes de tantas pretas e pretos, acaba com sonhos, objetifica corpos pretos, coloca-os em posição subalterna. O racismo é sufocante! O racismo mata! A bala perdida sempre acha um corpo preto!

Diante das recentes (e antigas) declarações de Sérgio Camargo, presidente da Fundação Palmares, que zombou de religiões de matriz africana, desdenhou do Dia da Consciência Negra e chamou o movimento negro de “escória maldita”, o Matraca Cultural  ressalta veemente, que é contra a permanência de Camargo no cargo, por entender que ele cumpre um papel de desserviço à população preta, que luta há anos por igualdade, e à cultura. Endossamos o pedido  de tutela provisória de urgência para retirar Sérgio Nascimento de Camargo da presidência da entidade, feito pela Defensoria Pública da União (DPU).

A cultura pode te ajudar a entender o que é o racismo estrutural e o Matraca Cultural selecionou músicas sobre o tema. O cineasta Fábio Santos, a convite da redação, elencou filmes e séries disponíveis na Netflix e o Coletivo Samba Quilomba destacou leituras. Confiram! 

Músicas

Ismália – Emicida 

A canção faz parte do disco AmarElo, do rapper Emicida. Inspirada na musa do poeta mineiro Alphonsus de Guimaraens (1870-1921), a música fala sobre a queda de Ismália como metáfora para o abismo social no qual os pretos vivem: “quis saltar do ceu, mas terminou no chão”. A faixa conta com a participação da cantora Larissa Luz e da atriz Fernanda Montenegro.

Cota Não É Esmola – Bia Ferreira

Uma verdadeira aula sobre a diferença de oportunidades entre negros periféricos e brancos. Fala sobre as ofensas por não estarem no padrão branco de beleza e sobre as lutas diárias de pretos para estudar e manter a família. “E não venha me dizer que isso é vitimismo, não bota a culpa em mim pra encobrir o seu racismo.”

Procura-se Bonecas Pretas – Larissa Luz

“Trocam estética opressora por identificação transformadora.” O discurso principal é a importância da representatividade. Aborda   a necessidade de ocupar espaços em vitrines, mídias e anúncios para que os pretos tenham referências acessíveis. 

A Coisa tá Preta – Rincón Sapiência

O rapper fala sobre o levante dos pretos por igualdade, contra violência policial e a injúria racial. “Se eu te falar que a coisa tá preta, a coisa ta boa, pode acreditar. Seu preconceito vai arrumar treta, sai dessa garoa que é pra não moiá”.

Menina pretinha – Mc Soffia

A jovem de 16 anos questiona o padrão de beleza. Ela canta sobre o orgulho da sua cor de pele, refuta que chamar uma preta de “exótica” não é elogio e aborda a representatividade. “A Barbie é legal, mas eu prefiro a Makena africana, como história de griô. Sou negra e tenho orgulho da minha cor.”

A Carne – Elza Soares

Música clássica da cantora que é uma das principais representantes na música das causas raciais. A canção afirma que a carne negra é a mais barata, pois os pretos vão para a cadeia de graça, são assassinados, são submetidos a subempregos etc. “Só cego não vê”.

Também preparamos uma playlist sobre o assunto. Confiram!

Livros – por Coletivo Samba Quilomba

O Genocídio do Negro Brasileiro – Abdias Nascimento

A obra aborda a falácia de que não havia racismo no Brasil. O autor fala sobre o racismo nas políticas de governo, que existe ainda hoje, que condenam os pretos ao genocídio.

Interseccionalidade – Carla Akotirene

O livro discute o conceito de interseccionalidade para abarcar as interseções a que a mulher preta está submetida. O termo se refere ao posicionamento do feminismo negro frente às opressões da nossa sociedade.

Racismo Estrutural – Silvio Almeida

Fala sobre o racismo institucional, que é muito mais que uma ação individual, está na estrutura da sociedade e representa anos de diferenças de oportunidades, até mesmo, no direito à vida.


Produções audiovisuais – por Fábio Rodrigo

Fiz essa seleção apenas com produções disponíveis na Netflix, por ser uma plataforma bastante popular e facilitar o acesso. Infelizmente, a área dedicada à produções nacionais não dá atenção ao tema e deixa de incluir obras primas brasileiras como ‘Alma no olho’, de Zózimo Bulbul; ‘Carolina’, de Jeferson De; ‘Cores e botas’, de Juliana Vicente; e ‘A negação do Brasil’, de Joelzito Araújo, por exemplo.

Ainda assim, a Netflix está cheia de conteúdo interessante para refletir o racismo, e eu separei alguns aqui:

Séries:

Olhos que Condenam

A minissérie de Ava DuVernay remonta o caso real dos “Central Park Five”, cinco adolescentes negros que foram acusados pelo espancamento e estupro de uma mulher branca em 1989.

Quem Matou Malcom X’?

Um jornalista negro tenta reabrir o inquérito da morte do grande ativista negro americano, alegando falta de consistência nas investigações.

Atlanta

A série  de Donald Glover conta a história de dois primos que sonham em fazer sucesso como rappers, vivendo num bairro periférico e convivendo diariamente com o racismo.

#Black AF

O criador de Blackish ironiza sua situação social e mostra o quanto ser milionário não muda sua condição como homem negro vivendo na América.

Madame C.J. Walker

A história da primeira mulher negra milionária dos EUA.

Minha história

A série mostra os bastidores da divulgação do livro de Michele Obama, conta sua história e inspira outras mulheres negras a superarem seus limites.

Cara Gente Branca

Um grupo de estudantes negros em uma faculdade americana. A série deixa várias boas lições sobre o racismo do dia a dia.

Homecoming

Desde o lançamento de seu álbum “Lemonade” em 2016, Beyoncé deu uma guinada em sua carreira. Ela se debruçou sobre a causa negra em suas músicas e falou de violência policial em seus clipes e apresentações.

Filmes:

Corra!

Melhor roteiro no Oscar, o filme  acompanha um jovem fotógrafo negro em visita a casa de sua namorada branca. O gênio Jordan Peele transforma os horrores do racismo em um  filme de terror altamente assustador e provocativo.

Moonlight

Vencedor do Oscar de melhor filme, o longa aborda um jovem que tenta vencer na vida e deixa no passado as dificuldades e o preconceito por ter crescido pobre, negro e gay em um bairro perigoso.

What Happened, Miss Simone

Documentário com gravações inéditas, imagens de arquivo e as canções mais conhecidas, que conta a história da lendária cantora e ativista Nina Simone.

Barry

O Jovem Barack Obama forma sua identidade, lidando com o racismo e diferenças culturais como um estudante universitário em Nova York.

American Son

O filho adolescente de um casal inter-racial desaparece. Enquanto eles esperam por notícias, o clima na delegacia fica cada vez mais tenso.

A 13ª Emenda

Ava Duvernay dá novo sentido à Décima Terceira Emenda da Constituição dos Estados Unidos que afirma que “não haverá, nos Estados Unidos ou em qualquer lugar sujeito à sua jurisdição, nem escravidão, nem trabalhos forçados, salvo como punição de um crime pelo qual o réu tenha sido devidamente condenado”.

12 Anos de Escravidão

Baseado na autobiografia de Solomon Northup, este drama histórico conta a trajetória de um negro nascido livre que é levado de Nova York e vendido como escravo.

About The Author

Antonio Saturnino

Jornalista, atleta frustrado, cantor de karaokê e pai de pets. Ama música e escrever sobre o tema durante anos lhe permitiu conhecer novos cantores e estilos musicais, então vocês verão muita coisa diferente e nova por aqui. Dança no meio da rua, adora cozinhar e estar em conexão com a natureza.

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