Foto Daumer de Giuli

Por décadas ela invadiu os mais diversos lares, conquistando públicos de todas as idades com suas histórias e personagens que adentravam as casas dos ouvintes e davam asas à sua imaginação. Trata-se da radionovela, que no Brasil foi sucesso nas décadas de 40 e 50 e começou a sair de cena na década seguinte, com a chegada da televisão. Pois é, justamente, este período de transição que marca o contexto da peça Caros Ouvintes, em cartaz no Teatro Renaissance, em São Paulo.

Escrita e dirigida por Otávio Martins, a comédia faz referência à história das radionovelas no Brasil, tendo como pano de fundo o golpe militar de 1964. O cenário é composto por um estúdio de rádio, onde será transmitido, ao vivo, o último capítulo de um dos folhetins mais aguardados pelo seu público: Espelhos da Paixão.

No desenrolar da peça, vão surgindo os personagens que fazem a radionovela acontecer: Vicente (Dalton Vigh), um agitado produtor dos folhetins que possui um caso com uma das atrizes, Conceição (Natallia Rodrigues), quem protagonizará a primeira telenovela; Eurico (Alex Gruli), um sonoplasta meio amalucado e hiperativo; Péricles Gonçalves (Léo Stefanini), um galã que já trabalha há anos na rádio; Leonor Praxades (Carol Bezerra), uma cantora decadente; Wilson (Eduardo Semerjian), o locutor da rádio; Ermelinda Penteado (Agnes Zuliani), uma senhora ultraconservadora, apoiadora do regime militar e Vespúcio (Fernando Pavão), publicitário, cujo cliente patrocina a radionovela e que também patrocinará a primeira telenovela brasileira, indicando o possível fim das radionovelas, pois é a era da chegada da TV.

Prestes a apresentar o último capítulo do folhetim, desta vez ao vivo, o elenco enfrenta uma série de complicações responsáveis por momentos hilários da peça. Mas a comicidade do espetáculo também não deixa de ser uma forma de suavizar as reflexões trazidas sobre períodos marcantes para o Brasil, seja em relação à política brasileira, seja em relação à chegada da televisão, prenunciando o fim das radionovelas.

Embora, no momento atual, estejamos num contexto distinto daquele onde se passa a comédia, é possível identificar algumas semelhanças, guardadas as devidas proporções, com os dias de hoje, marcadas pela polarização política do país, pela opressão, pela censura, entre outros aspectos. A personagem Ermelinda, por exemplo, é a personificação daqueles que defendiam uma completa varredura social em todos aqueles rotulados como deturpadores da sociedade; sendo que muitos, na verdade, visavam uma transformação social que beneficiasse a todos, especialmente os marginalizados e excluídos.

Já o personagem Vespúcio, com suas intromissões, muitas vezes, incoerentes na condução da radionovela, era para deixar claro ao elenco que sem ele a novela não aconteceria, pelo fato de ser o patrocinador.

Outro aspecto bem explorado em Caros Ouvintes foi a crise vivida por muitos atores, que perderam seus empregos com a transição da radionovela para a telenovela, já que TV é imagem e muitos não tinham a aparência física desejada e nem mesmo o talento para uma atuação que passaria a exigir, então, todo um trabalho corporal, além do vocal. No entanto, não podemos nos esquecer que a consolidação da televisão contou com toda a expertise de diversos produtores, roteiristas e atores radiofônicos, diante da falta de gente especializada, própria da TV, no período do seu surgimento.

Enfim, uma transição difícil para muitos e talvez mais doída do que nos dias de hoje. Ainda assim, o rádio não acabou e continua com seu público fiel, assim como a TV. Ambos passaram a dialogar com a internet, mostrando que os meios tradicionais não acabaram, apenas tiveram de se adaptar.

Vista por mais de 70 mil espectadores, Caros Ouvintes estreou, pela primeira vez, em 2014, venceu os principais prêmios do teatro paulistano, como o Shell e o Aplauso Brasil, além de ter recebido destaque no site Times Square Chronicles.  Além da riqueza do roteiro, o espetáculo está com um elenco impecável, o que justifica seu sucesso.

SERVIÇO
Caros Ouvintes
Onde: Teatro Renaissance – Alameda Santos, 2233, Cerqueira César, São Paulo – SP
Quando: aos sábados, às 18h, e domingos, às 20h.
Quanto: R$100 (inteira) e R$50 (meia-entrada). Vendas online: www.ingressorapido.com.br
Bilheteria: (11) 3069-2286. Horário da bilheteria: Quinta, das 14h às 20h; Sexta, sábado e domingo das 14h até o início do último espetáculo.
Até 3 de novembro de 2019

 

About The Author

Mariana Mascarenhas

Jornalista e Mestra em Ciências Humanas. Amante das artes em suas mais variadas formas: cinema, música, exposição, literatura…. Teatro então? Nem se fala! Busca estar sempre antenada com a programação teatral para conferir aquela peça que está dando o que falar: seja para divertir, emocionar ou refletir. Só conferir os textos e ficar de olho no que tá rolando por aí.

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