Na semana que antecede a parada, artistas falam sobre a importância das ações culturais e da representatividade

 

No último dia 13 de junho, pouco mais de uma semana antes da Parada do Orgulho LGBT 2019, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu pela criminalização da homofobia e transfobia. Com a decisão, atos de preconceito contra a comunidade LGBTQ+ passam a ser enquadrados como crime de racismo.

A decisão é, além de histórica, necessária. O Brasil continua em primeiro lugar entre os países que mais matam transexuais. De acordo com o levantamento do Grupo Gay da Bahia (GGB), entre 2011 e 2018, 4.422 pessoas foram assassinadas por motivos de intolerância relacionada à orientação sexual ou identidade de gênero. Isso corresponde a 552 mortes anuais, o que equivale a uma vítima a cada 16h.

Junho é considerado o mês do orgulho LGBT e diversos espaços culturais estão realizando uma série de atividades que celebram a diversidade e ressaltam a importância da cultura como forma de promover inclusão, quebrar estereótipos e conscientizar a população sobre os perigos da LGBTfobia.

O diretor Tomaz Quaresma do musical Com Todas as Letras, que encerrou sua temporada em São Paulo no último dia 5, fala sobre a importância de abordar questões relacionadas à transexualidade e orientação sexual na produção cultural. “O importante da peça foi a transformação. A plateia saiu do teatro entendendo que uma pessoa trans, gay, lésbica, negra, nordestina, só quer estudar, trabalhar, amar, ser visto como um ser humano, ter seu lugar no mundo e ser respeitado. Diminuiu o estranhamento sobre essa ‘nova’ realidade, de pessoas que fazem a transição de sexo”, comenta Quaresma, responsável pelo texto, direção e coreografia do espetáculo que celebrava as diferentes formas de amor.

O cantor e bailarino Verdec, fala como a arte se tornou o mecanismo de defesa diante da juventude de agressões e preconceitos relacionados à sua sexualidade. “É muito importante ver a nossa bandeira se destacando na arte e em todas as linguagens e veículos. Por muito tempo esteve escondida e fomos marginalizados. Ter representatividade e ter espaço no cenário artístico é muito importante, pois ajuda a reduzir preconceito e dar acesso à informação. Eu fui saco de pancada, fui vítima de violência nos espaços públicos e privados, inclusive na escola, durante toda a minha adolescência. Hoje a arte é minha defesa, é com ela que combato e levanto a bandeira do que sou, LGBT”.

A presença de LGBTQI+ na cultura é cada vez mais forte e representativa. Atualmente existem diversas drag queens que se destacam no mercado fonográfico, questões como a transexualidade têm sido abordadas em novelas, artistas transgêneros  e de diferentes orientações sexuais têm se destacado no teatro e música e trazem à tona questões de identidade e/ou orientação sexual.

A funkeira Mulher Pepita reforça a importância da cultura como forma de resistência. “Nossa arte é uma forma de resistência. É como mostramos que temos um espaço sim, e que lutaremos por ele. Nossa luta não é de agora, pois não estamos aqui há um ou dois dias. Nossa resistência está no nosso dia a dia. Minha vida é de luta diária”, afirma.

A artista da Trava Bizness, Albert Magno, reforça que produzir cultura que faça as pessoas refletirem muitas vezes é um desafio. “É muito louco isso, porque a cultura chega em todos os lugares e para todas as pessoas e, de alguma forma, elas absorvem e processam de jeitos diferentes. É uma experiência que causa alegria, mas ao mesmo tempo ansiedade e loucura. No fim de tudo o desafio é pensar: ‘Como eu vou educar aquela pessoa? Como ela vai considerar as vivências das outras? Será que ela vai passar algum ensinamento, nem que seja mínimo?’. É algo que corrói a cabeça da gente, sabe?”.

Atualmente, a representação da diversidade na cultura, principalmente no que é consumido pelo grande público, reforça estereótipos e, muitas vezes, beira o pejorativo. O gay sempre é o caricato; as mulheres trans são profissionais do sexo; e lésbicas são masculinizadas. Isso mostra o quão importante é esse cuidado na produção de conteúdo que faça as pessoas refletirem.

A dramaturga Ave Terrena reforça que, não deveria sequer haver um debate sobre tolerância, por reconhecer que é necessário que haja a naturalização. “A tolerância é o contrário da guerra. Se estamos ainda discutindo esse tema, nossa resistência se faz cada vez mais necessária. É muito importante que haja conexão e articulação entre toda a comunidade LGBTQI+ para que tenhamos capacidade de resposta coletiva diante dos ataques que sofremos”, comenta a dramaturga.

O cantor e pianista William Paiva afirma que as expressões artísticas sempre afetam com muito impacto a cultura e ajudam a construção de civilidade. Para ele as representatividades nestas expressões são de suma importância para o combate dos preconceitos sociais, principalmente no cenário atual de intolerância crescente. Para ele, falar sobre o tema é uma forma de educação social, de luta e resistência. “O desafio é vencer o preconceito em nós mesmos todos os dias. Uma vez que o que está instalado culturalmente é o ódio às diferentes formas de vida, subjetividades e realidades, é preciso estar atento e forte. Acordamos todos os dias com todos os preconceitos vivos em nossa cultura, cabe a cada um de nós o exercício diário de praticar a empatia. Sorrir ao invés de julgar, talvez o sorriso possa mudar o mundo”, finaliza o artista.

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Antonio Saturnino

Jornalista, atleta frustrado, cantor de karaokê e pai de pets. Ama música e escrever sobre o tema durante anos lhe permitiu conhecer novos cantores e estilos musicais, então vocês verão muita coisa diferente e nova por aqui. Dança no meio da rua, adora cozinhar e estar em conexão com a natureza.

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