A semana passada foi agitada para o mercado de entretenimento brasileiro. O youtuber Whindersson Nunes não foi no casamento do Instagrammer Carlinhos Maia, rendendo uma treta que gerou milhares de matérias em veículos de mídia de “entretenimento” e “cultura”. Longe de mim querer diminuir o legado deles, mas gostaria de apontar um fato “menor”, quase insignificante, que passou despercebido pelo nosso público e jornalistas. A participação dos cineastas brasileiros no Festival de Cannes.

O Festival de Cannes, ocorre na cidade homônima na França desde 1964 e é um dos festivais mais prestigiados do mundo, senão “O” mais prestigiado. Não é o mais famoso, afinal Cannes tem o atrevimento de prestigiar (e julgar) primeiramente a arte do cinema em si, enquanto o maior dos festivais, o Oscar, foca ora no espetáculo, ora em agenda política. Entre seus prêmios principais, Cannes oferece as honrarias máximas através da conceituadíssima Palme d`or (a Palma de Ouro) para o melhor filme, e o Prix du jury, para o filme que mais impressionou os jurados.

O Brasil participou forte este ano, com três filmes inteiramente nacionais e duas coproduções internacionais.

Para a Palma de Ouro, concorreu com o terceiro filme do pernambucano Kleber Mendonça Filho, Bacurau, e conseguiu a façanha de vencer o Prêmio do Juri em cima de concorrentes como Quentin Tarantino e Pedro Almodóvar. Kleber é hoje o cineasta mais importante do Brasil, e talvez você conheça ele por seus outros filmes, como O Som ao Redor, vencedor de Melhor Filme nos Festivais de Gramado, Rio de Janeiro, da Amostra Internacional de São Paulo da Associação de Críticos de Toronto, o Prêmio Itamaraty e o Festival Internacional de Copenhagen. Não?

Então, Aquarius, indicado a Palma de Ouro em 2016, e indicado a melhor filme nos Festivais de Munique, Zurique, Londres, e  vencedor de melhor filme nos festivais de Sidney, Lima, Amsterdan, Mar del Plata, Sindicato Francês dos críticos de Cinema, Prêmio Bravo, Cartagena, Dublin, Panamá, e Grande Prêmio do Cinema Brasileiro. Também não?

Bem, ele é aquele cineasta cujo elenco se manifestou contra o impeachment da Dilma no tapete vermelho em Cannes com placas de “Golpe”, inclusive a Sonia Braga participou da manifestação. Ahnn, agora sim… Claro que é isso que conhecemos do trabalho do Kleber, afinal por que a imprensa deveria noticiar seus resultados excepcionais quando o que realmente importa é sua posição política, não é mesmo?

Outro indicado brasileiro a Palma de Ouro foi O Traidor, filme coproduzido pelos irmãos brasileiros Caio e Fabiano Gullane, da produtora Gullane, com o diretor italiano Marco Bellocchio. O filme retrata o refúgio do mafioso Tommaso Buscetta, interpretado por Pierfrancesco Favino, em terras brasileiras. A atriz Maria Fernanda Cândido faz o papel da esposa do fugitivo e, maravilhosa que é, roubou a cena no tapete vermelho, e foi eleita diva do festival.

Para o prêmio especial Um Certo Olhar (Un Certain Regard) venceu o brasileiro A Vida Invisível de Eurídice Gusmão, produzido pela brasileira RT Features, e que reúne o diretor Karim Aïnouz e a atriz Fernanda Montenegro. Inspirado no livro homônimo de Martha Batalha, o filme era o único brasileiro da competição entre os 18 participantes. A exibição foi muito aplaudida na sessão de gala e nas projeções especiais para a imprensa, o que é extremamente raro.

Aliás a produtora paulista, RT Features concorreu com três filmes. E era para ser quatro. Ad Astra,  protagonizado por Brad Pitt (sim, aquele Brad Pitt está trabalhando para uma produtora brasileira) e dirigido por James Gray, não ficou pronto a tempo e deve emplacar no festival de Veneza. De todo modo, a RT Features apresentou na Riviera francesa suas demais produções. O elogiadíssimo The Lighthouse, estrelado por Willem Dafoe e Robert Pattinson, e Port Authority, da diretora Danielle Lessovitz. Além do já mencionado e premiado A Vida Invisível de Eurídice Gusmão.

E assim aconteceu, o Brasil foi a Cannes com cinco filmes e volta exaltado com o Prêmio do Júri com o filme do Kleber e o prêmio Um Certo Olhar com o filme do Karim. O Brasil já havia sido indicado à Palma de Ouro 35 vezes, ganhou com O Pagador de Promessas e com Orfeu Negro.  Venceu também o prêmio de melhor diretor, em 1969, e mais duas vezes conquistou o prêmio de melhor atriz, fora outros prêmios importantes nas mostras paralelas. Serve de reflexão pra quem anuncia sem conhecimento de causa que o cinema brasileiro é ruim. São dois prêmios importantes no festival mais relevante do mundo, em um ano em que o cinema é atacado por todos os lados.

Temos problemas em estratégias comerciais? Temos! Temos que melhorar a habilidade de criar uma indústria com menos apoio do governo? Temos!

Agora, dizer que o Brasil faz filme ruim porque o parâmetro de qualidade é Blockbuster americano, e remake live action de desenho animado… faça-me o favor.

Por fim caro leitor, fica a sugestão: já que o Carlinhos Maia deletou o Instagram por causa da treta com o Whinderson, sobrou mais tempo para todos nós. Portanto saiba que Aquarius está disponível na Netflix. Ou se preferir, também pode encontrar lá Vai Anitta. Cada um tem um gosto, né?

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Matraca Cultural

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