No último dia 22 de março, a cantora baiana Luedji Luna, um dos grandes nomes do cenário atual da música brasileira, apresentou o espetáculo Um Corpo no Mundo, no Sesc Bom Retiro. Com a casa completamente lotada, a artista cantou as canções do EP homônimo, seu primeiro disco, que transita entre o universo da música brasileira e africana.

No palco, a cantora mostrou total entrega à música, com movimentos suaves e composições fortes. Um dos pontos de destaque do show foi a participação da cantora Ellen Oléria, artista cuja importância de sua representatividade foi ressaltada por Luedji. Mas frisou que ter  uma única figura que fala por todos apenas reforça estereótipos racistas.

Vencedora do Prêmio Afro (2017) e Prêmio Bravo na categoria Revelação (2018), Luedji tem um repertório rico que enaltece o amor dela por Salvador, a influência de imigrantes africanos na América Latina, questões relacionadas à pretitude e a força da mulher. Recentemente a artista se apresentou no South by Southwest® (SXSW®), em Austin (EUA), e gravou a música a música To te Querendo, com o DJ e produtor musical carioca Omulu e banda ÀTTØØXXÁ.  Seu próximo trabalho reúne parcerias com artistas como Djonga, Rincon Sapiência, Zudzilla e a Stefanie MC. Essas colaborações reforçam o bom momento da carreira da baiana atualmente.

Luedji também é co-fundadora do Palavra Preta, mostra que nasceu da necessidade de dar visibilidade às produções de mulheres pretas. Hoje o projeto é capitaneado por Tatiana Nascimento, cantora, compositora, pesquisadora brasiliense.

Conversamos com a artista sobre trabalho, inspirações e a importância de sua conexão com a ancestralidade. Confiram!

 

Matraca Cultural: Recentemente você se apresentou no South by Southwest® (SXSW®), em Austin (EUA). Como foi a experiência de se apresentar no evento e de levar seu trabalho a lugares cada vez mais longínquos?
Luedji Luna: O SXSW é um evento plural, com artistas de todos os lugares do mundo. Foi muito potente perceber que minha música pode chegar tão longe e dialogar com artistas de outras linguagens. Na ocasião eu me apresentei com dois rappers norte americanos: Ila J e Moe Moks.

MC: Em abril será lançado o EP Mundo, que terá diversas parcerias. Quais as principais diferenças e as semelhanças com Um Corpo no Mundo?
LL: O Ep Mundo vem com uma roupagem completamente diferente. São as mesmas canções, porém com a linguagem do rap, house e r&b, mas sempre respeitando a tônica de Um Corpo no Mundo. O Ep também é feito de silêncios.
No disco terei parcerias com nomes como Djonga, Rincon Sapiência, Tássia Reis, Stefanie MC e Zudzilla, rapper do sul do país. Todos os convidados são artistas próximos a mim e do meu trabalho. O Djonga, por exemplo, já cantou na minha turnê em BH; eu e a Tássia já cantamos juntas em Salvador; o rap é muito forte em São Paulo e vir para cá estreitou minha relação com o gênero e eu não tive como não ficar atravessada pelo estilo.

MC: Ao receber o Prêmio Afro, você afirmou que “Não existe ser humano mais forte do que uma mulher negra”. Comente essa afirmação.
LL: Hoje eu não faria essa mesma afirmação, porque ela pode reforçar essa falsa ideia de que nós suportamos tudo e aguentamos tudo. Isso é um estereótipo muito nocivo para nós e nos tira a humanidade. A grande faceta do racismo é essa: ele destitui nossa humanidade. Hoje eu diria que “não existe ser humano mais mágico do que uma mulher negra”.

MC: Como a conexão com sua ancestralidade preta te inspirou no processo de criação e na busca da identidade artística? De que forma essa ancestralidade está presente na sua música?
LL: Ela não está presente apenas na minha música, mas sim na minha vida. A ancestralidade é o fio condutor e tangencia tudo em meus processos. A ancestralidade africana está ligada à atemporalidade, ou melhor, à tri temporalidade. Como diz a pensadora Erica Malunguinho, “o ancestral não é algo ligado ao passado, ele está aqui no presente, no meu corpo, na condução e guiança pro futuro”. A ancestralidade não é inspiração, é ditame, ela é!

MC: No show do Sesc Bom Retiro, você falou sobre como a Ellen Oléria, uma cantora extremamente talentosa, te ajudou a entender que, assim como ela, você poderia fazer sua música e mostrar a sua arte. Qual a importância dela na sua carreira e qual a importância da representatividade para as próximas gerações?
LL: Ela foi um marco! Ver uma mulher preta ser nacionalmente reconhecida me deu coragem para aceitar a música como um caminho possível. Ver ela possível me fez possível. Nesse sentido, a representatividade é importante, porque cria referências que não temos. Mas ela só cumpre seu papel quando permite que outras potências surjam no processo. No entanto, essa ideia de representação em uma única figura que fala por todos, a ideia do ícone, me incomoda um pouco, é só mais uma armadilha do racismo.

MC: Em Iodo + Now Frágil, há alguns trechos extremamente fortes, viscerais e reflexivos. Você fala sobre estupro corretivo contra lésbicas, sobre o extermínio de um povo alheio às construções sociais, sobre a violência policial etc. Qual a metáfora nessa música quando você diz que “já foi trovão” e qual a importância de ser trovão como forma de resistência?
LL: Essa canção e poesia é da Tatiana Nascimento, minha parceira na mostra palavra preta. O trovão chega como uma força ancestral! Aquele tema da tri temporalidade: passado, presente e futuro. “Se eu já fui trovão, eu sei ser trovão, eu vou ser trovão”.

About The Author

Antonio Saturnino

Jornalista, atleta frustrado, cantor de karaokê e pai de pets. Ama música e escrever sobre o tema durante anos lhe permitiu conhecer novos cantores e estilos musicais, então vocês verão muita coisa diferente e nova por aqui. Dança no meio da rua, adora cozinhar e estar em conexão com a natureza.

Related Posts

Leave a Reply

Your email address will not be published.