Foto João Caldas 

Na semana passada, comentamos sobre o musical Escola do Rock que aborda a importância da musicalização infantil. Para  aprofundarmos no tema, o Matraca conversou com profissionais da área que abordaram a relevância da musicalização infantil:

Para o professor de música Liw Ferreira, o ensino musical para crianças cria um elo muito bonito entre elas e o professor, quando este permite que aquelas se expressem livremente. No entanto, ele alerta que o educador não deve ensinar pela imposição. “Eu gosto de fazer com que meus alunos sintam-se abraçados pela música, pois ela tem esse papel de cuidar, mas eu não posso impor nada, eles precisam ouvir o que está dentro deles e assim nós também tentamos compreender de onde eles veem por meio de seus gostos musicais”, diz Ferreira. Ele completa dizendo que o ensino musical infantil faz com que os pequenos reflitam, entendam e aprendam sobre o contexto musical em torno deles e, com isso, desenvolvam a sensibilidade de enxergar a música como parte de tudo em suas vidas.

E, falando em contexto musical, compreender a música a partir dos regionalismos nos quais estamos inseridos não somente nos familiariza com a música ao nosso redor, como aprofunda a compreensão de nossa própria identidade. Para o arte-educador e músico Mumu de Oliveira, , “quando se fala em educação musical, na maioria das vezes, pensa-se no modelo europeu de ensino, com suas partituras, métodos e teorias. Porém, é preciso valorizar mais as tradições orais que mantiveram vivas a maioria das canções que atravessaram gerações”.

Mumu define a musicalização infantil como “um processo que visa sensibilizar o indivíduo, não só para a música, mas também para o mundo, tendo como meio, a música”. De acordo com o arte-educador, a musicalização “procura desenvolver a concentração, a coordenação motora, o raciocínio lógico, o equilíbrio emocional, autoconhecimento corporal, disciplina entre outras coisas”. Ele também ressalta como ela auxilia no reconhecimento e respeito à diversidade do grupo.

Outro grande e fundamental benefício da musicalização infantil é o poder de criação dos pequenos, como muito bem ressaltado em Escola do Rock pela forma como Dewey dá espaço para que as crianças levem um pouco do seu universo para a sala de aula por meio da música, o que acaba contrariando seus pais. Um cenário muito comum na realidade, como aponta Ferreira:

“As crianças costumam fazer aquilo que pedem a elas, pois poucos pais deixam-nas totalmente livres para a criação e, numa aula de musicalização, o elemento principal e quase obrigatório é a criatividade, pois elas têm que criar o tempo todo, por meio de instrumentos, dos sons do corpo. Elas trazem o mundo que olham, vivem, conhecem e o expressam com os instrumentos musicais ou com o próprio corpo”. Ele ainda afirma que a musicalização infantil é a expressão real da criatividade de uma criança, pois o som das coisas é a sua primeira percepção ao sair da barriga da mãe.

Não há como ficar indiferente à música, que sempre provocará transformações, muitas vezes, surpreendentes, como é possível ver nas mudanças comportamentais dos alunos de Dewey no decorrer da peça e na relação de Liw Ferreira com seus alunos, conforme ele destaca. “Já tive alunos muito tímidos, outros mais espontâneos e, ao final das contas, todos pareciam entrar num mesmo eixo comigo. Acredito que, brincando, eles conseguem se parecer com o professor. Por exemplo: se o educador é alguém pacífico na forma como ensina música, os alunos também agirão dessa forma”. Ele afirma que a música transforma a maneira de ver o mundo e sempre explica aos seus alunos a interpretação de cada canção.

Tais mudanças provocadas na infância pelo universo musical tendem a continuar no decorrer das demais faixas etárias desde que o indivíduo esteja sempre em contato com a música. Mumu vive essa experiência com os adolescentes e funcionários da Fundação Casa, onde ele ministra um curso de musicalização compondo músicas e cantando as canções que seus alunos conhecem, juntamente com eles, além de contarem com instrumentos como cavaquinho, violão, pandeiro, agogô, tamborim, tantan, entre outros. “São ciclos de três meses, no qual eu, baseado em um planejamento elaborado por mim, proponho atividades práticas, sendo elas orais, auditivas, corporais, escritas, multissensoriais etc. Deve-se levar em consideração que os adolescentes também têm autoridade para propor novas atividades ou alterações nas atividades prevista no planejamento”, afirma Mumu.

De acordo com o arte-educador, o objetivo geral das aulas é sensibilizar não apenas os jovens da Fundação Casa, como os agentes socioeducativos que acompanham as atividades dentro ou fara das salas, além de humanizar a relação entre eles que, normalmente, está baseada no desrespeito e no ódio. Para isso, são realizadas rodas de conversa em que se contam histórias reais e fictícias e analisa-se músicas de modo a fazê-los refletir sobre diversos aspectos do cotidiano. “Tais reflexões possibilitam os adolescentes a enxergarem o mundo de outra maneira, pois nelas são usadas no mínimo duas lentes de observação: a do próprio indivíduo e a do outro. Tudo isso tende a melhorar a relação destes adolescentes com a sociedade na qual ele está inserido”, conclui Mumu.

Mas não é apenas o ensino musical que pode fazer a diferença na vida de alguém, especialmente das crianças. Há outras formas significativas para isso e uma delas é a musicoterapia, definida pela musicoterapeuta e musicista Beatriz Pacheco como “a utilização da música e elementos musicais como ferramenta, por um musicoterapeuta, num processo terapêutico estruturado, que potencializa o desenvolvimento do indivíduo e também reabilita funções que estejam comprometendo seu desenvolvimento”.

Ainda, segundo Beatriz, tal processo “auxilia em aspectos biopsicossociais, espirituais, estimula a comunicação, desenvolve potenciais de ação, promove a interação, a aprendizagem e expressão”. E, no caso das crianças, a musicoterapeuta diz que o processo é importante para o desenvolvimento como um todo, desde o sensório até o motor.

Para concluir, Beatriz ressalta que a música em si já é altamente estimulante para uma criança e que, seja musicoterapia ou ensino musical, desde que os pequenos sempre estejam em contato com alguém que saiba “manusear” todo esse processo, serão estimulados. “A diferença está no fundamento que cada disciplina tem como objetivo principal, uma com o ensino educacional de música e a outra a saúde do indivíduo”, finaliza.

Portanto, o mais relevante é permitir que, desde pequeno, o indivíduo possa expressar sua forma de ver o mundo pela música, além de, graças a ela, adentrar o universo do outro e compreendê-lo melhor.

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