A negociação pública do personagem não é um acidente

Você provavelmente já ouviu falar sobre a confusão que aconteceu entre a Disney e a Sony sobre os direitos do Homem-Aranha. Caso ainda não saiba, a notícia de que as produtoras não teriam chegado a um acordo sobre o uso do personagem e que ele deixaria o Universo Cinematográfico Marvel e seus amigos Vingadores tomou a internet.

Há muitas especulações sobre como isso impactará os filmes do Aranha ou dos Vingadores. Mas o que está acontecendo por trás das cortinas? Por que os executivos não chegaram a um acordo? Bem, aqui está o que aconteceu…

Como o Homem-Aranha foi parar na Sony?

O Homem Aranha é um personagem fictício, criado pelo escritor-editor Stan Lee e pelo escritor-artista Steve Ditko. Ele apareceu pela primeira vez na história em quadrinhos Amazing Fantasy #15 (agosto de 1962), publicado pela Marvel Comics. Mais tarde, em 1998, o grupo Marvel Entertainment, ainda tinha como seu principal negócio publicar quadrinhos. Contudo, devido às baixas vendas, buscava um fluxo de caixa rápido tentando emergir da falência registrada dois anos antes.

Na ocasião, a Sony Pictures viu ali uma oportunidade para garantir os direitos de cinema do Homem-Aranha. Em uma contra proposta, o atual presidente e ex-CEO da Marvel, Ike Perlmutter, ofereceu à Sony os direitos de quase todos os personagens da Marvel, incluindo nomes como Homem de Ferro, Thor, Pantera Negra e Homem-Formiga, por US $ 25 milhões, mas o acordo não contemplava o Homem-Aranha, o carro-chefe da empresa. A Sony respondeu o seguinte: “Ninguém dá a mínima para nenhum dos outros personagens da Marvel. Volte e faça um acordo apenas pelo Homem-Aranha.”

A Marvel, pressionada, acabou vendendo os direitos ao Homem-Aranha para a Sony por (apenas) US$ 7 milhões. Além disso, outras de suas principais e mais populares propriedades como Hulk, Motoqueiro Fantasma, Blade, Demolidor, X-men, Quarteto Fantástico também foram fatiadas e licenciadas para diversos outros estúdios para levantar mais dinheiro.

 

 A era dos dos super-heróis no cinema

No início dos anos 2000 com o lançamento dos filmes dos X-Men e do Homem-Aranha, os executivos de Hollywood tiveram um gostinho do que estava por vir. A Sony inicialmente teve muito sucesso com os filmes do Homem-Aranha dirigidos por Sam Raimi e estrelados por Tobey Maguire.

A Marvel, por sua vez, sem tamanho para competir com grandes estúdios, fechou um acordo de distribuição com a Paramount para lançar seus próprios filmes, porém com heróis de menor calibre, já que suas principais franquias estavam em outros estúdios. Seus primeiros filmes, Hulk e Homem de Ferro tiveram excelentes desempenho e chamaram a atenção dos grandes estúdios, o que levou a Disney a propor a Marvel uma aquisição no valor de US$ 4 bilhões. Com um investimento carregado e o peso da mão do Mickey por trás, deu-se a início a maior franquia de cinema de todos os tempos, o Universo Cinematográfico Marvel, que arrecadou incríveis 23 Bilhões de dólares em 10 anos.

 

Homem-Aranha volta para casa

No meio da enxurrada de filmes de super-heróis e com sua trilogia do Homem Aranha finalizada, a Sony ensaiou uma reinicialização vacilante da franquia do herói com um novo ator, Andrew Garfield. Mas não teve o mesmo sucesso e acabou atingindo um desempenho bem abaixo do esperado. A Sony enfrentou um momento delicado: o que o estúdio deveria fazer com uma propriedade que tanto precisava, mas de alguma forma não conseguia maximizar?

Do seu lado, a Marvel que começou a produzir seus próprios filmes, em 2008. Ainda tinha algumas das maiores propriedades licenciadas em outros lugares, por causa dos acordos de 1998, avançava fazendo sucesso com heróis até então não tão conhecidos do público, como Homem-Formiga e Guardiões da Galáxia (além do Homem-Aranha da Sony, os X-Men estavam com a Fox.) A Marvel estava ansiosa para trazer o máximo de personagens possível para dentro do seu mundo.

Atendendo um interesse mútuo, um acordo de quatro anos permitiu que o Marvel Studios da Disney produzisse e gerenciasse filmes do Homem-Aranha para a rival Sony Pictures. Em 2015, os estúdios assinaram um acordo de custódia compartilhada. A Marvel guiaria os filmes da Sony, com controle editorial e com a possibilidade de usar toda sua mitologia criada no universo cinematográfico da Marvel. A Disney obteria receita de merchandising e a chance de usar o popular Homem-Aranha em seus próprios filmes, com direito a 5%da bilheteria. E a Sony, que financiaria e lançaria os filmes, se beneficiaria da promoção resultante das aparições nos filmes do outro estúdio e 95% da bilheteria dos filmes solo do herói.

A parceria parecia estar indo bem. O filme deu origem ao filme Homem-Aranha: Longe de Casa deste ano, com um resultado de 1,1 bilhão de dólares em todo o mundo e maior resultado da Sony de todos os tempos. E o personagem, interpretado por Tom Holland, se tornou um grande atrativo em outros filmes da Marvel, como Vingadores Ultimato e Capitão América: Guerra Civil.

Homem-Aranha fora do Universo Cinematográfico Marvel?

Passados os quatro anos, o acordo chegou ao fim e os dois estúdios se sentaram para renegociar, os dois com excelentes alavancas de negociação.

A Sony chega à mesa com sua propriedade intelectual renovada, a marca Homem-Aranha está mais forte do que nunca. Além disso a empresa surpreendeu com o sucesso do filme Venom, o qual bancou sozinha e não pertence ao universo Marvel, mas pertence ao universo do Aranha, tendo a opção de juntar as marcas e seguir lucrando sozinha. Além disso, conta com um excelente resultado financeiro dos filmes anteriores e em total condição de seguir com os investimentos sozinha.

A Disney, por sua vez, além de detentora dos Vingadores, a maior franquia de todos os tempos, é também a dona de todo o contexto narrativo em que este Aranha se encontra. Inclusive, há rumores de que os executivos da Disney estejam “parcialmente motivados a abandonar as negociações” porque os executivos querem que o presidente da Marvel Studios, Kevin Feige, coloque sua “atenção total nas recém adquiridas propriedades da Fox”, que incluem o retorno dos X-men, do Quarteto Fantástico e muitos outros da Marvel.

Pouco antes de a Disney adquirir a maior parte dos ativos da Fox, em março de 2019, quando as duas empresas se uniram em um acordo de US $ 71,3 bilhões, foi confirmado que Feige assumiria a franquia de filmes X-Men e já tinha ideias sobre o que faria com os mutantes dentro do Universo Cinematográfico Marvel. Ou seja, se a Sony é dona da bola, a Disney é dona do campo.

Por isso, apesar de todos os lucros compartilhados os lados não conseguiram concordar com uma renovação. De acordo com o site Deadline, para continuar a emprestar a seu mundo, a Disney queria ser um parceiro completo – uma participação nas receitas de 50-50 nas bilheterias, não apenas uma coleta de receita auxiliar, como merchandising. A Sony por sua vez, achou que ceder 50% da sua maior franquia era demais.

No seu anúncio oficial sobre o fim do acordo, a Sony não perdeu a chance de alfinetar a Marvel:

“Muito do que foi dito hoje descaracteriza o que foi dito nas recentes discussões sobre o envolvimento de Kevin Feige na franquia. Nós estamos desapontados, mas respeitamos a decisão da Disney de não mantê-lo como Produtor Executivo no nosso próximo filme do Homem-Aranha. Nós esperamos que isso mude no futuro, mas entendemos que com as muitas responsabilidades que a Disney lhe confiou, não permitem tempo para trabalhar em propriedades intelectuais que não lhes pertencem”.

Ouviu Disney? O Homem Aranha NÃO LHE PERTENCE. Assinado, Sony.

 

Mas é o fim?

Durante os últimos dias, a notícia de que a Sony e a Disney não teriam chegado a um acordo sobre a participação do Homem-Aranha no Universo Cinematográfico Marvel tomou a internet, o quê de forma alguma é um acidente. Essas reuniões se dão a portas fechadas, e certamente as informações foram vazadas por algum (ou ambos) dos lados para buscar apoio na opinião pública. Se tudo isso foi uma negociação muito pública sobre um dos personagens mais valiosos das duas empresas, então ver tudo em tempo real é uma visão rara do processo de negociação de Hollywood. E tudo isso indica que um acordo potencial reconfigurado está se movendo na direção certa. Ou seja, parece que as companhias ainda estão tentando se entender.

Segundo as fontes do We Got This Covered, a Sony teria oferecido 25% do dinheiro arrecadado pelos longas-metragens como uma contraproposta aos 50/50 que teriam sido requisitados pela Disney anteriormente.

Outro rumor, é que a Sony poderia estar interessada em vender os direitos do Aranha por US$ 10 bilhões para a Disney. Considerando o sucesso do Homem-Aranha, que alcançou mais de US$ 1 bilhão de bilheteria em seu último filme, o valor pode estar dentro dos padrões para a Disney, que pagou US$ 71 bilhões na aquisição da Fox e teve lucro anual recorde de US$ 12,6 bilhões em 2018.

É Aranha, de US$ 7 Milhões em 1998, a US$ 10 Bilhões em 2019.  Realmente um discípulo de Toni Stark.

 

 

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Matraca Cultural

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