Bienal Internacional do Livro de São Paulo vai até o próximo domingo, e entre as diversas áreas temáticas, pela quarta vez, está o Espaço Cordel e Repente, a espera dos visitantes. Presente nas Bienais de 2016, 2018 e 2022, o espaço é referência da cultura nordestina no evento, promovendo a diversidade desta rica herança cultural.

Neste ano, o escritor Sidney Nicéas apresenta a obra Todos os Amores de Lourdes, que mescla a brutalidade de uma história real com a delicadeza da escrita romanceada. Publicado pela Editora Mangue, o livro resgata as vivências de Lourdes Alencar, brasileira natural de Recife (PE), nascida em 1950, que desde a infância, enfrentou uma série de injustiças e desafios inimagináveis, mas sem nunca se deixar amargurar.

Violentada por anos pelo próprio genitor, ganhou na vizinhança, que fazia vista grossa ao crime, o infame apelido de “mulher do pai”. Mesmo vítima de tamanha desumanidade, ela cresceu acreditando na transformação do sofrimento em força, para ajudar outras pessoas em situações de vulnerabilidade. Mãe biológica de três filhos e adotiva de outros 10, teve a vida marcada por extrema dureza, mas também por muita espiritualidade e senso de liderança comunitária.

De alvo de chacota quando menina, ela se tornou uma benzedeira requisitada, atuou em campanhas políticas de figuras renomadas na região e conheceu personalidades como Reginaldo Rossi, Frei Damião e Chico Xavier. Apesar de todas as adversidades, Lourdes construiu uma trajetória de resiliência, guiou a família com rigor e carinho e conquistou posição de destaque em sua comunidade.


O Matraca Cultural conversou com o Sidney Nicéas, autor do livro Todos os Amores de Lourdes no terceiro dia de Bienal do Livro de SP.

MC: Como surgiu a ideia de escrever sobre a história da Lourdes?

SN: Na verdade, não foi uma ideia minha. Em meados de 2016, eu recebi uma ligação de uma senhora me perguntando se eu era escritor.  Ela me disse: vem aqui na minha casa tomar um café para me conhecer, para eu contar um pouco do que é. E fui para dizer não, para indicar alguém que fosse biógrafo, mas quando ela fez o resumo da vida dela, eu senti aquele calor, e nesse caso era um desafio muito nobre, porque a história de vida dela é realmente inacreditável, é impressionante, e eu precisava dar vida a esse livro. E aí foram 8 anos de trabalho, a gente dividiu o livro em dois volumes por conta do estado de saúde dela. Eu realmente tinha uma preocupação grande diante dos prazos, já que a ideia era lançar o livro em 2024, para ver o sonho dela materializado. Então, eu tive que dividir em dois volumes. Lançamos as duas primeiras partes e estamos trabalhando agora o volume 2.

MC: O que o leitor pode esperar do volume 2 da sua obra?

SN: O volume 2 é a sequência da história dela. No volume 1 o leitor já encontra histórias potentes, no volume 2 não é diferente. Eu costumo dizer que a gente tem 10 fatos marcantes, que já dariam uma boa história. Mas Dona Lourdes é incrível, quase tudo que aconteceu na vida dela traz uma aura de dramaticidade ou de comicidade ou uma aura extraordinária. O volume 2 acompanha a saga de Dona Lourdes, quando ela está na casa dos 40. Conta como ela se tornou uma líder na comunidade, passou a fazer campanha para políticos, então a obra também traz um pouco dessa andança dela. Então, tem muita curiosidade também em torno da política, mas principalmente do viver humano. São muitos dramas e muitas situações extraordinárias que continuam acontecendo nesse volume 2, que deve ser lançado ou em novembro ou em março, que é o mês de aniversário de Dona Lurdes Alencar.

MC: Como é para você estar na Bienal do Livro de SP, partipando como escritor e apresentando aos visitantes a história desta líder que é símbolo da luta de gênero e tantas outras batalhas?

SN: Essa é a minha quinta Bienal de São Paulo. Atualmente eu sou um dos realizadores também da Bienal de Pernambuco, e presido a Ideação, que é uma ONG que correaliza a Bienal. Então, eu entendo os gargalos do autor, da produção. E eu estou muito acostumado a vir à Bienal do Livro de SP porque é uma efervescência muito grande em torno do livro. Em Pernambuco também é, mas a Bienal de São Paulo tem uma característica muito cultural, a de Pernambuco é muito da cultura pernambucana. Trabalhar a obra de Lourdes aqui tem um significado muito especial, porque quantas Lourdes não estão espalhadas por esse Brasilzão, quantas Lourdes estão sendo violentadas, espancadas, também, né? A obra traz muitos subtemas, desde as violências da pedofilia, passando pelo racismo, por outros tipos de preconceito, por alienação parental, por adoção, que é outro tema importante, até porque culturalmente, quando você lê o livro, você vê como era e como se tornou depois, as próprias leis que regem determinados aspectos, então é muito relevante. A gente está trazendo a história de Dona Lourdes aqui, em todas as suas lutas, porque eu sei que muita gente vai se espelhar, e muita gente vai compreender que isso não é um problema localizado do Recife, nem um problema específico de Lourdes Alencar. São muitos os problemas nacionais em relação à vida, especialmente das pessoas menos favorecidas.

MC: Além do Todos os Amores de Lourdes, você está escrevendo algum outro livro?

SN: Nesse processo de oito anos, eu fiquei sem publicar, mas não fiquei sem escrever. Então, saiu um romance de ficção que eu fui montando em paralelo e eu estou programando para 2025, para reescrevê-lo e dar os tons que preciso. Mas também saiu um livro de contos que eu escrevi num prêmio e um livro infantil também que eu terminei, que já está ilustrado, lindo. A gente já tem ideias de como publicá-lo, talvez ainda esse ano ou no ano que vem. E estou trabalhando uma outra obra de não ficção, a história de uma mulher também, Odi Veiga, que há 25 anos comanda as ambulâncias nos estádios de futebol no Recife. Ela tem toda uma equipe de médicos, enfermeiros, bombeiros civis, que atuam nos atendimentos dentro dos estádios de futebol, e são muitas as histórias marcantes, então é um livro bem interessante, um formato diferente de Todos os Amores de Lourdes.

MC: Quer comentar algo mais?

Para finalizar, tem alguns aspectos importantes. Primeiro, na questão literária. A gente vive em um país onde poucos validam o trabalho de alguns. Então, você precisa de um prêmio nacional para ser reconhecido como autor, para alguém olhar realmente a tua obra. Eu acho isso muito injusto, até porque existe um mercado muito retroalimentado, que é onde está aqui no eixo sul-sudeste, um mercado muito vivo, muito ativo, mas que a gente está um pouquinho mais lá em cima, no mapa. Então a gente precisa enxergar a literatura como uma coisa mais ampla.

Em relação a Todos os Amores de Lourdes, o que eu diria é que toda vida dá uma história, ou pode dar um livro, mas que a gente preste mais atenção no outro, na vida do outro. Cada vez mais a gente está encerrado em nós mesmos, e a gente costuma não olhar os dramas que estão acontecendo muitas vezes na esquina da casa da gente, então acho que Todos os Amores de Lourdes traz esse alerta de que a gente pode fazer a diferença na vida de alguém. Eu acho que para sermos seres humanos melhores, a gente não deve ser egoísta e pensar em melhorar só a vida dos nossos, mas pensar em como, de alguma maneira, a gente pode impactar a vida do outro de maneira positiva.


As Lourdes do Brasil

Num Brasil marcado por altos índices de violência de gênero, Lourdes emerge como um símbolo de resistência e transformação. Ao expor as cicatrizes profundas deixadas pelos abusos, Sidney Nicéas não apenas revela a crueldade de um sistema que silencia e oprime, mas também ilumina o poder de superação e o impacto positivo que uma vida dedicada ao cuidado do outro pode ter no mundo em que vivemos.

No primeiro volume dessa biografia composta por dois livros, o segundo ainda em produção, o autor aborda temas difíceis de forma instigante e envolvente. Ele transita entre a realidade e o lirismo de forma fluida, sem perder de vista a veracidade dos eventos. Essa abordagem literária torna a leitura não só educativa, mas também emocionalmente impactante, transformando-a em espelho para uma sociedade que precisa urgentemente refletir sobre suas práticas e buscar formas de proteger e empoderar crianças e mulheres.

Mais do que apenas recontar uma tragédia, Todos os Amores de Lourdes serve como poderosa inspiração para aqueles que já enfrentaram adversidades e buscam seguir em frente com compaixão por si e pelos demais. Os relatos de Lourdes Alencar, tão dolorosos quanto fascinantes, servem como ode à resiliência do espírito humano e convidam os leitores a encontrar em suas próprias experiências fontes de empatia, cura e renovação.

Ficha técnica
Livro: Todos os Amores de Lourdes, vol. 1
Autoria: Sidney Nicéas
Editora: Editora Mangue
ISBN: 978-85-911734-1-9
Páginas: 226
Preço: R$ 60,00
Onde encontrar: https://tesaoliterario.lojavirtualnuvem.com.br/

Sobre o autor
Sidney Nicéas é escritor e tem publicadas as obras “O Que Importa é o Caminho”, “O Rei, a Sombra e a Máscara”, “A Grande Ilusão”, “Vic e o Homem Feito de Nuvens”, “Noite em Clara – Um Romance (e uma Mulher) em Fragmentos” e “Todos os Amores de Lourdes”. Colunista de Literatura, desde 2017 preside a Ideação, correalizadora da Bienal Internacional do Livro de Pernambuco. É graduado em Relações Públicas com MBA em Gestão de Pessoas, Pós-Graduado em Escrita Criativa. Editor, é o criador do selo editorial Mangue, projeto tocado pela sua Assessoria de Comunicação em parceria com o poeta colombiano Carlos Sierra e o jornalista e escritor paulistano Ricardo Mituti. Professor universitário, dá aulas de Criatividade, Marketing, Gestão e Escrita Criativa, tendo lecionado disciplinas programáticas e/ou cursos em entidades como a Universidade de Coimbra (POR), Universidad de Los Andes (COL), IBRACO (COL), IPOG (PE-BRA), Unigragrio (BRA-RJ) e UNIFG (BRA-PE).

Redes sociais do autor
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