A escritora Ruth Guimarães será a grande homenageada da Festa

O ano de 2020 tem sido desafiador  em razão da pandemia da COVID-19 afetando, de modo especial, os setores que atraem aglomeração de pessoas, como é o caso da área de eventos. Um levantamento feito pela Sebrae, em abril, ressaltou que a pandemia afetou 98% desse setor. No entanto, muitos não pararam e utilizaram da tecnologia, não somente para realizar eventos no formato digital, como também para ampliar o seu poder de alcance. Na Semana da Consciência Negra, por exemplo, diversas atividades que, nos anos anteriores, ocorreram de modo presencial, acontecerão virtualmente, fazendo ecoar muitos talentos pretos para que sejam mais conhecidos e divulgados em todo o país.

Um dos destaques é a 8ª edição da FlinkSampa, Festa do Conhecimento, Literatura e Cultura Negra, que acontece entre os dias 19 e 20 de novembro deste ano, como parte da programação cultural da Virada da Consciência, que se inicia no dia 17 de novembro. A Flink traz como temática a literatura afro-brasileira, conduzida pelos autores pretos do Brasil e do exterior, segundo aponta o curador da Festa, Tom Farias. 

 “A expectativa para esta oitava edição é que consigamos manter o diferencial com a apresentação de autores de destaque na literatura nacional, como Itamar Vieira Júnior, premiadíssimo escritor e atual finalista do Prêmio Jabuti, Eliana Alves Cruz, sem falar da participação de Paulo Lins, Martinho da Vila, entre outros”, destaca Farias. 

Neste ano, a Flink homenageará Ruth Guimarães (1920 – 2014), a primeira escritora preta brasileira a obter projeção nacional com o lançamento do seu primeiro livro chamado Água Funda, em 1946. “Trata-se de um romance que gerou muita repercussão na época e, por isso, ela se tornou uma das autoras mais populares daquele período”, afirma o curador. 

No entanto, ele lamenta o fato de Ruth não ter entrado no cânone de literatura moderna estabelecido naquele momento e que possui como referências Raquel de Queiroz, Clarice Lispector, Jorge Amado, José Lins do Rego, entre muitos outros. Nomes dos quais, ela estaria à altura, porém, não foi referenciada como tal, algo considerado estranho pelo curador, afinal, como ele recorda, a escritora chegou a ser elogiada por Antônio Cândido, Guimarães Rosa e Roger Bastides, sociólogo francês estudioso da religião e da poesia afro-brasileira.

“Ruth foi aluna e orientanda de Mário de Andrade, que também teve um papel importante em sua vida. Ela escreveu 51 livros na área do Folclore, incluindo um que será publicado na Flink, chamado Os Filhos do Medo (1950), obra que foi avaliada por Andrade e que aborda os pandemônios do Brasil, como o diabo, as superstições… tudo que leva ao medo”, conta Farias.

Além de ter se dedicado ao romance, à poesia, ao conto, ao folclore e à literatura infantil, Ruth foi tradutora do latim e do francês, traduzindo, inclusive, obras russas escritas em francês que vieram ao Brasil, conforme destaca o curador. “Agora, no ano de seu centenário, resolvemos tirá-la do esquecimento e prestar uma homenagem à sua altura. Nós teremos uma mesa de abertura com a escritora Conceição Evaristo e o filho mais velho de Ruth, o escritor Joaquim Botelho Guimarães”, completa. 

Farias acredita que, como o evento acontecerá em um ambiente totalmente digital, ele poderá alcançar um público bem maior do que no formato presencial.  Além disso, neste ano, a Flink contará com participações de autores internacionais oriundos de Angola, Moçambique e Cabo Verde, as quais, como o curador aponta, talvez não fossem possíveis presencialmente por exigir mais recursos.

Enfim, em uma sociedade brasileira ainda marcada por um pensamento arcaico, com manifestações racistas, homofóbicas, genocidas e tantas outras, o curador destaca que a Flink também é uma resposta a esses cenários, com uma programação que traz uma base de resiliência por meio de autores que vêm contar suas histórias no que escrevem e produzem. “Estamos resgatando nossa história e para isso nós teremos os nossos aliados como Cristovam Buarque, Laurentino Gomes, Antônio Torres, ocupante da Academia Brasileira de Letras, entre outros, que marcarão presença”, afirma o curador. 

Ao final da entrevista ele pediu mais foco  na literatura e nos autores pretos nacionais e a FlinkSampa vem atender esse propósito, mostrando que eles têm os seus valores e necessitam dos mesmos espaços e oportunidades.

Virada da Consciência 2020

Com uma série de atividades realizadas entre os dias 17 e 22 de novembro, que visam provocar uma reflexão sobre racismo estrutural e protagonismo preto, a Virada da Consciência 2020 acontece em um formato totalmente digital, oferecendo uma experiência imersiva e interativa. 

Organizado pela Universidade Zumbi dos Palmares e pela ONG Afrobras, o evento deste ano traz como tema É Floyds – Os joelhos invisíveis que estão por aí. Um questionamento sobre quantos pretos ainda sofrem brutalidades semelhantes a de George Floyd, homem preto de 46 anos que foi morto por um policial branco durante uma abordagem, em que ele estrangulou Floyd com as pernas. O caso, que aconteceu este ano nos EUA, gerou revolta nas redes sociais do mundo todo, exaltando o poder da internet.

“Desde que o caso Floyd tomou conta do mundo, entendemos que estávamos diante de uma importante plataforma através da qual pudéssemos discutir, debater e repercutir várias dimensões do tema negros do Brasil e do mundo”, afirma José Vicente, reitor da Universidade Zumbi dos Palmares. Para ele, na medida em que muitos dos acontecimentos, principalmente policiais, estavam totalmente alinhados com a discussão, entendeu-se que se promoveria uma boa reflexão e um bom debate ao demonstrar que, lá e cá, os joelhos do racismo estrutural são os mesmos e provocam os mesmos danos.

O reitor também destacou como as manifestações de ódio que se perpetuam pelas redes sociais são grandes impulsionadoras para que tantos Floyds sigam morrendo, embora tais atos sempre tenham ocorrido, muito antes do surgimento das redes. “As manifestações do ódio racial em todos os ambientes sempre foram presentes e assertivas, isto é, produziram a agressão e hostilização do negro. Agora, nas redes sociais, sem controle, sem fiscalização e sem punição, esse discurso acaba se fortalecendo como uma narrativa racional, natural e não tão predadora ou hostil; ele acaba servindo de incentivo e encorajamento para a transposição do discurso para a ação, para a agressão racial e, logo, para violência e morte.”

Quanto aos preparativos para a Virada de 2020 que, pela primeira vez, acontece em uma plataforma totalmente digital, José Vicente relata que eles foram intensos e desafiadores, exigindo muita dedicação e trabalho coletivo a fim de agrupar todas as ideias e construir um escopo que possa atender os padrões de qualidade, de segurança e de atratividade para todos. “Da mesma forma, exigiram uma adaptação para criar e interagir dentro de uma esfera totalmente nova e diferenciada que é o mundo digital. Estamos confiantes”, completa.

Para concluir, o reitor reforça como a sociedade precisa, urgentemente, de muito mais eventos semelhantes aos da Virada da Consciência, na medida em que é, justamente, de informação, conscientização e posicionamento que este tema mais necessita. “Essa é a proposta da Virada: aproximar, relacionar, interagir, informar e conscientizar. É importante que o ambiente da educação tenha disposição, interesse e compromisso para construir um ambiente de respeito e valorização da diversidade e da dignidade da pessoa humana. Sem respeito e sem esse compromisso, todos perdem ao final”, finaliza.

Serviço: 

FlinkSampa 2020 – Festa do Conhecimento, Literatura e Cultura Negra 

Data: 19 e 20 de novembro de 2020

Onde: Transmissão pela plataforma digital da Virada da Consciência  www.viradadaconsciencia.com.br 

Valor: Gratuito 

Público: Livre 

Virada da Consciência 2020 

Data: 17 a 22 de novembro de 2020 

Onde: Transmissão pela plataforma digital www.viradadaconsciencia.com.br 

Valor: Gratuito 

Público: Livre 

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