A Cor Púrpura, o Musical – problemáticas da década de 70 continuam atuais Matraca Cultural fevereiro 21, 2020 REPORTAGEM O espetáculo A Cor Púrpura, o Musical encerrou, no último dia 16, sua temporada de exibições no Theatro Net, em São Paulo. A produção viajará pelo Brasil e as próximas apresentações serão em Salvador, no Teatro Castro Alves, dos dias 5 a 8 de março. Inspirada no livro homônimo de Alice Walker, primeira escritora negra a ganhar o Pulitzer, a obra conta a história de Celie, interpretada por Letícia Soares, uma jovem negra que é abusada pelo próprio pai, que tira dela os dois filhos frutos do estupro que ela sofre. Celie é dada em casamento para o vizinho Albert (Sérgio Menezes), que a obriga a cuidar dos filhos do seu primeiro casamento e a agride constantemente, física e psicologicamente. Ela é proibida de ver sua irmã Nettie (Ester Freitas), que ela amava mais do que qualquer outra pessoa. Celie vive em sofrimento constante até que surgem Sofia (Lilian Valeska) e Shug (Flávia Santana), duas mulheres fortes e protagonistas de suas próprias histórias. Elas mostram que há possibilidade de mudanças e novas perspectivas. O espetáculo aborda temas sociais que, infelizmente, continuam atuais e recorrentes, como a desigualdade, abuso de poder, racismo, machismo, sexismo e a violência contra a mulher. O espetáculo é emocionante e empoderado, com atuações impecáveis. Os números musicais contam com belos arranjos, vozes potentes e perfeita harmonização de vocal. Representatividade importa De acordo com a pesquisa Cultura nas Capitais, realizada pela consultoria JLeiva, os negros estão entre os que menos participam de atividades culturais. Na plateia de A Cor Púrpura, o Musical, a reportagem do Matraca Cultural constatou uma forte presença preta na plateia. O comparecimento de afro-brasileiros tem sido maior em produções com elenco negro ou diverso, ou em produções com temática que passa por questões raciais. “É muito raro vermos grandes produções teatrais protagonizadas por negros. Quando nos dão espaço, nos colocam no elenco de apoio ou em papéis estereotipados, oras objetificando o nosso corpo, oras nos associando ao crime. Isso perpetua o racismo estrutural do Brasil. Nós também queremos nos identificar com as histórias e personagens! A forte presença de pretos na plateia do musical, cujo enredo envolve questões raciais, passa um recado muito claro da importância da representatividade”, afirma Lyllian Bragança, uma das fundadoras do Coletivo Samba Quilomba. A mulher como centro do diálogo O elenco do musical conta com a presença feminina representada por 50% de seu total e isso é uma grande vitória, por mais que o enredo nos leve para outro tipo de discussão, tais como o machismo, submissão, assédio moral e sexual, violência e diminuição do gênero. O espetáculo aborda críticas sociais de um enredo dos anos 70, mas que ainda está latente nos dias atuais. Com o musical é possível notar que vivenciamos algo parecido a todo momento. Um levantamento do Datafolha, encomendado pela ONG Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), revelou que, entre fevereiro de 2018 e 2019, 1,6 milhão de mulheres foram espancadas ou sofreram tentativa de estrangulamento no Brasil e 22 milhões (37,1%) de brasileiras passaram por algum tipo de assédio. 42% dos casos de violência ocorreram no ambiente doméstico. Mulheres pretas e pardas são a maioria das vítimas. A lição que A Cor Púrpura ensina é que não há melhor forma de evidenciar a injustiça do que no palco. Mesmo com o descaso, o poder feminino sempre será mais forte,cairá e se levantará , se falhar tentará de novo. E se vencer puxaráoutras mulheres para comemorar juntas. Em certo trecho do musical, Celie é acolhida por suas vizinhas e confidentes, todas mostram que sempre haverá uma saída. Ao se dar conta que é possível, ela faz do limão a limonada, ou melhor, do seu talento com as mãos uma produção de roupa que ficará marcado em sua história e independência. “Precisamos praticar a empatia na nossa sociedade. Celie encontra exemplo de força e enfrentamento e só assim ela consegue sair da relação abusiva que ela vivia, empreender e dar um novo rumo à sua vida. A mulher que se empodera precisa ajudar outras que vivem em um contexto de violência e/ou de dependência. O lugar da mulher preta é onde ela quiser! Ela pode ser médica, engenheira, passista, mecânica ou dona de casa. Juntas somos mais fortes”, completa Lyllian. Não há que se fantasiar um final feliz, com um novo amor, família, amigos por perto. Celie só conseguiu ter o que realmente a satisfazia, depois de tanto tempo, porque viveu experiências nada agradáveis e sentiu que, se quisesse, mudar teria apoio de pessoas próximas. A atitude de Celie sempre será um exemplo a ser seguido e a resposta que ela dá para o mundo é digna de bater palmas de pé. A discussão que A Cor Púrpura traz estará presente hoje e daqui há alguns anos, mas a maior vitória ocorrerá quando não precisarmos mais escrever sobre o assunto. A Cor Púrpura – O filme O livro, antes de se tornar musical, ganhou uma adaptação para o cinema. Lançada em 1985, a produção foi dirigida por Steven Spielberg, teve a trilha sonora composta por Quincy Jones, e contou com nomes de peso no elenco, entre eles Whoopi Goldberg (Celie), Danny Glover (Albert) e Oprah Winfrey (Sofia). O filme foi sucesso de crítica e público, e ganhou 11 indicações para o Oscar em 1986, incluindo o de Melhor Atriz (Whoopi Goldberg), Melhor Atriz Coadjuvante (Oprah Winfrey e Margaret Avery) e de Melhor Filme. Porém, o longa não levou nenhuma das estatuetas. Muitos consideram que essa foi uma das maiores injustiças da história da premiação. A produção conta com negros em praticamente todo o elenco e, historicamente, a diversidade é preterida nas premiações e indicações ao Oscar. Poucas vezes, artistas não-brancos foram reconhecidos no maior evento mundial do cinema. Em 2016, após o segundo ano consecutivo sem indicações de negros ou latinos, a campanha #OscarsSoWhite tomou conta das redes sociais e artistas como Will Smith, Jada Pinkett Smith, Spike Lee, entre outros, boicotaram a premiação naquele ano. À época, em vídeo publicado no Facebook, Jada comentou: “Implorar por reconhecimento ou mesmo pedir por isso é degradante”. Vale ressaltar que as indicações são definidas por mais de 6 mil membros da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas. Esse grupo é formado, em sua maioria, por homens brancos acima de 50 anos. Leave a Reply Cancel ReplyYour email address will not be published.CommentName* Email* Website