Por que a batalha épica de GoT termina com final feliz? Mariana Mascarenhas maio 2, 2019 ENTREVISTA Prof. Dr. Jack Brandão fala do receio de autores em matar protagonistas e por que as imagens escuras da batalha foram tão criticadas Ainda não sabemos como será o desfecho da oitava temporada de Game of Thrones (GoT); mas, se depender do terceiro episódio desta última temporada, que foi ao ar no dia 28 de abril, o final feliz poderá prevalecer. O episódio exibiu um dos momentos mais aguardados pelos fãs da série, desde sua estreia: a batalha entre os vivos e mortos. Diante disso, muitos fãs temeram a morte de personagens importantes, afinal, em temporadas anteriores, a série não poupou papéis relevantes. O que dizer, então, de uma guerra, em que os vilões eram muito mais numerosos e aterrorizantes? Para surpresa de muitos, todas as personagens com maior destaque sobreviveram à guerra, embora muitas tenham morrido. E, apesar de tal acontecimento ter sido criticado por alguns fãs, que viram nisso uma covardia do autor, a grande maioria comemorou tal feito. Isso ficou claro quando o rei dos zumbis, o chamado Rei da Noite, foi derrotado pela jovem Arya numa ação tão rápida que ninguém esperava; afinal, tratava-se do vilão mais poderoso da série, cuja construção maléfica foi feita desde o começo de GoT. Nas redes sociais foram exibidos vídeos de locais públicos onde tal cena foi acompanhada por uma multidão vibrante com a vitória da jovem. Embora a temporada ainda esteja no terceiro episódio, o bem prevaleceu sobre o mal, já que essa era uma das maiores batalhas de toda a série. Para o pesquisador e especialista em imagens, Prof. Dr. Jack Brandão, o desfecho deste episódio e a forma como foi celebrado por muitos é um reflexo de que, por mais que as produções sacrifiquem alguns papéis importantes, seus autores/diretores ainda optam pela prevalência do bem: “Dificilmente vemos filmes, livros e séries fictícios fugindo do tão consolidado ‘final feliz’, mesmo numa série como GoT que havia vários motivos para que personagens importantes perecessem. Não importa que a série ainda não tenha chegado ao fim e que tais mortes ainda possam ocorrer”. Ele também afirma que ainda há certo receio de muitos autores/diretores matarem seus protagonistas; pois, por mais que o final feliz seja criticado por alguns, ele ainda é bem aceito pela maioria. “Trata-se de uma construção imagética já consolidada em relação ao(s) protagonista(s). Num primeiro momento ele é apresentado ao público, num segundo ele passa por diversos conflitos, às vezes, correndo o risco de morrer e, na terceira parte, o momento final, ele sai vitorioso, completando o ciclo do herói”. Para Brandão, tal aceitação de um final já previsível, muitas vezes ocorre como uma espécie de fuga da realidade; já que, diariamente, somos bombardeados de imagens de tragédias trazidas pelos noticiários. “Nossa relação com as imagens exibidas em reportagens, por exemplo, é completamente distinta daquela com as de uma produção fictícia”. Segundo o pesquisador, ao ter consciência de que as imagens midiáticas trazem, incessantemente, cenários da realidade, o público ao consumíi-las e ser exposto a elas, de maneira frenética, chega ao ponto de tornar-se insensível; afinal, pouco pode fazer para mudar a crua realidade. “Nós somos seres iconotrópicos, ou seja, somos consumidores imagéticos vorazes e, à medida que consumimos imagens de tragédias, queremos mais e mais, a ponto de elas não nos atingirem mais. Já num filme, por exemplo, isso não acontece; pois, muitas vezes, nós nos projetamos no protagonista, torcemos por ele, sofremos com ele e nos emocionamos com sua vitória. Isso porque, como em uma leitura de um romance, por exemplo, abandonamos nosso próprio ‘eu’ para viver o eu do narrador”. Algo semelhante não vemos, por exemplo, nos noticiários, em que devido ao excesso de imagens trágicas, perdemos inclusive a compaixão. “O mundo real já está repleto de problemas e não há, infelizmente, o que fazer… Não se pode, porém, dizer o mesmo do mundo fictício, nele sempre há espaço para um final feliz; torna-se, portanto, nossa válvula de escape do mundo real”, ressalta Brandão. Se isso ocorre nos filmes, que se dirá de GoT, cujas personagens são acompanhadas pelos espectadores há anos? Mas, se o final feliz desse episódio foi motivo de alegria para grande parte do público, de modo particular, algo semelhante não pôde ser dito quanto à penumbra que se verificou em sua fotografia que gerou diversas reclamações em todo o mundo. Tal escuridão, porém, não foi uma falha, mas uma grande ousadia do diretor de fotografia que não queria que os cenários parecessem iluminados por luz artificial, mas pela natural, daí seu emprego mínimo na batalha à noite. Trata-se de um recurso que já vem sendo trabalhado ao longo dos episódios; pois, segundo os diretores, conforme o inverno chegou à sétima temporada, os planos foram ficando mais escuros para que os espectadores pudessem se sentir inseridos naquele ambiente; fato, provavelmente, não percebido por muitos. Para Brandão, a insatisfação do público reflete, de modo especial, o poder da imagem naquilo que ela teria de mais ‘pernicioso’: o fato de ser considerada uma reprodução fiel da realidade, como é o caso da fotografia por exemplo. Ela é tratada, cortada e sempre registrada sob o olhar do fotógrafo, porém nos esquecemos de que tudo que ela apresenta não passa de ilusão! “Assim, no caso de GoT, a grande sacada do diretor de fotografia foi inserir o público na realidade diegética da narrativa, de seu enredo, de seu espaço e de seu tempo… fazer com que enxergássemos o campo de batalha com os olhos das personagens. Não qualquer batalha, mas uma noturna, com todas suas implicações. Não se deve esquecer que quase sempre os grandes combates (ao longo da história humana) eram travados à luz do dia, daí o resultado não ter agradado: nossos olhos não estão acostumados a isso!” “Convém, no entanto, perceber que reside aí uma grande ambiguidade: quanto mais técnica se utiliza, mais o público acredita naquilo que se mostra, simplesmente por parecer mais próximo da realidade; ignora-se, portanto, que tudo não passa de um verdadeiro simulacro que se acredita ser o ‘real’. Logo, mais distantes estamos daquilo que se pode chamar de realidade”. Por outro lado, complementa o professor, se se reduz o emprego da técnica, tentando se aproximar ainda mais do real, gera-se desconforto e insatisfação no espectador que não consegue compreender como isso se processa, vendo nisso um erro, uma ilusão. Eis o grande poder da imagem: ganhar mais vida do que a própria realidade em si. Resta agora saber como os episódios finais se sucederão até a definição de quem sentará no Trono de Ferro. 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