Rincon Sapiência (conhecido também como Manicongo, certo?) é um dos nomes mais expoentes do cenário atual do rap. Nascido e crescido na Cohab I, Zona Leste de São Paulo, em suas músicas o artista sempre fala da realidade das periferias, sobre a desigualdade histórica da população negra e outras formas de preconceito que são perpetuadas em nossa sociedade. O objetivo é fazer as pessoas verem que, fora da bolha social na qual vivem, há uma realidade totalmente diferente. Com influência dos mais diversos estilos musicais, o rapper afirma que vive em uma “poligamia” de gêneros.

Em 2009 lançou a música “Elegância”, que tocava no circuito do rap da Rua Augusta e arredores. Mas o reconhecimento nacional veio com “Galanga Livre”, seu álbum de estreia, que entrou para a lista dos 50 melhores álbuns da música brasileira de 2017 pela Associação Paulista dos Críticos de Artes (APCA). As parcerias com a cantora Iza, Arnaldo Antunes e Tropkillaz vieram para ratificar o bom momento de Rincon e do rap nacional.

No dia do aniversário da cidade de São Paulo (25 de janeiro), o cantor se apresentou no Sesc Pinheiros. Assim que subiu ao palco ele pediu para o público levantar e, verdade seja dita, não dá para assistir ao show do Rincon sentado. A energia do cantor e sintonia com a banda é algo que vale ressaltar. É aquela vibe de quem canta a realidade com a esperança de que as coisas vão mudar e que um dia suas críticas não serão mais necessárias.

Da banda queremos destacar a performance do backing vocal James Bantu. Dá vontade de ser amigo dele! O cara transmite muita alegria e animação, e tem aquele swing de quem é capaz de dançar até ouvindo música clássica. Antes de subir ao palco, Rincon recebeu a equipe do Matraca Cultural e concedeu uma entrevista exclusiva. Confiram!

 

Foto: Rogério Vieira

Foto: Rogério Vieira

Matraca Cultural: Como surgiu a ideia da letra e da batida de “Mete Dança”, lançada no final do ano passado?
Rincon Sapiência: Escolhi o pagodão baiano para a batida, por ser um ritmo cuja musicalidade me inspira. O trabalho é continuidade a uma tradição que criei de fechar todo ano com uma surpresa para a cena, na mesma data, sempre em 26 de dezembro. Foi assim com “Linhas de Soco” (2014), “Ponta de Lança (Verso Livre)” (2016) e “Afro Rep” (2017). “Mete Dança” é a reafirmação da proposta de aliar a celebração do protagonismo da periferia com a luta pelos espaços de poder por meio da manifestação cultural. É também uma homenagem à cultura da Bahia, que reúne a maior população preta do país e é referência musical afro-brasileira há séculos, e às religiões de matriz africana, com várias menções aos orixás, como Iansã, Exu e Xangô.

MC: Quais as suas principais influências musicais, além do rap?
RS: São as mais diversas possíveis, desde o rock, o samba, a música brasileira e a africana. Mas eu diria que, neste momento, a música popular tem me influenciado bastante. Acho que a música das periferias, como o funk, pagodão, arrocha, brega e samba são gêneros que têm trazido muita autenticidade na linguagem dos instrumentais e de criatividade, bem como no estilo de dançar e cantar. Pude mostrar um pouco dessas influências em “Mete Dança” e tem muita coisa nesses estilos que tem me feito compor.

MC: Você já está trabalhando em um novo disco? Tem alguma previsão de quando ele deve sair?
RS: Sim, esse ano meu foco é no lançamento do meu segundo álbum. Fazer um disco que não seja apenas uma coletânea é um desafio. Não fazer mais do mesmo, porém, fazer um trampo tão relevante (ou “superior”) quanto o primeiro é um processo e eu estou amando!

MC: Qual a importância de falar sobre a realidade das periferias e sobre a valorização da população preta nas suas músicas?
RS: Muita gente vive na sua bolha e desconhece as dificuldades de quem vive nas periferias, bem como as riquezas culturais e/ou intelectuais. Essa mensagem precisa chegar a todos lugares possíveis para que as pessoas entendam que existe uma realidade muito diferente da que está diante dos próprios olhos. Sobre as questões da pretitude, nosso país tem uma história de colonização e escravidão, por isso vivemos com algumas desvantagens históricas. No Brasil se tem uma ideia de que, por sermos miscigenados, esses problemas foram superados, mas não foram. Cantar isso nas músicas é mostrar essa realidade.

Foto: Rogério Vieira

Foto: Rogério Vieira

MC: Na música “Ostentação à Pobreza”, em um trecho você diz: “Desde cedo o drama começa. Nunca pegou um livro na mão. Mas desde cedo segurou as peça”. Qual a mensagem que você quis passar com essa frase?
RS: A ideia era propor uma reflexão sobre a redução da maioridade penal, da qual as pessoas tanto falam. Eu, mesmo sendo da periferia, tive referências do meu irmão mais velho e dos meus pais. Dentro de todas adversidades que vivi, ainda tive acesso ao estudo e à leitura. Mas conheci muita gente que não tinha os mesmos “modelos” e para essas pessoas é muito difícil criar uma outra perspectiva de construção social. A ideia dessa frase é mostrar que, caso esses jovens tivessem acesso aos livros e à cultura, dificilmente optariam por serem criminosos.

MC: Em “Vida Longa” você diz que “infelizmente Bolsonaros não é tipo raro”. O que você quis dizer com esse trecho?
RS: É muito louco, porque quando escrevi isso era inviável pensar que ele chegaria ao poder. Quando via as entrevistas dele, sempre me vinha à mente a quantidade de pessoas que compactuam com o discurso que ele propaga. Isso é tão verdadeiro que ele se tornou presidente do país e agora vivemos (e viveremos) momentos delicados. Mas penso que o negativismo pode ser ruim para a nossa resistência e prefiro pensar que temos que nos manter firmes e mostrar que o país pode ter um cenário melhor do que este que nos é oferecido.

MC: Este ano você participa do desfile do Vai-Vai e é a sua primeira vez no Carnaval de São Paulo. Como surgiu o convite?
RS: O convite veio justamente no ano no qual o samba-enredo traz a temática preta e, naturalmente, despertou meu interesse de viver a experiência de desfilar. Sempre gostei de samba e da tradição das escolas e, de todas, a que mais frequentei foi justamente o Vai-Vai. Tudo está acontecendo na hora certa, no ano certo e com o samba-enredo certo. Tenho certeza que vou me divertir bastante.

Foto: Rogério Vieira

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Antonio Saturnino

Jornalista, atleta frustrado, cantor de karaokê e pai de pets. Ama música e escrever sobre o tema durante anos lhe permitiu conhecer novos cantores e estilos musicais, então vocês verão muita coisa diferente e nova por aqui. Dança no meio da rua, adora cozinhar e estar em conexão com a natureza.

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